sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A garota da minha vida - Capítulo 3

 

Capítulo 3

CLARICE

Autora: Daniele Husz


Eu não acredito no que aconteceu. Não acredito que o Samuel simplesmente terminou comigo e desapareceu. Não deu notícias. Sumiu!


Nosso namoro já não ia muito bem há algum tempo, mas nunca imaginei que terminaria assim. Se é que a gente terminou, né.

O fato é que o Samuel sempre preferia a banda a mim. E eu até entendo isso, tanto que, há anos, apoio esse sonho dele: é o que ele adora, o ambiente da música, os ensaios, o som, mas tudo tem um limite. Ele me trocou no dia do nosso aniversário de namoro! Poxa vida, Samuel, será que não dava pra adiar o ensaio, só dessa vez? Eu passei a tarde inteira preparando um jantar especial e ele simplesmente me deixou plantada! Fiz lasanha, a comida que ele mais gosta, e bolo de sorvete, nossa sobremesa preferida. Sem falar naquele álbum de fotos com nossos melhores momentos, que passei os últimos meses fazendo.

Aí, no meio da tarde, ele me liga pra avisar que não poderia vir porque teria ensaio com a banda. Depois, ainda teve a cara de pau de aparecer na porta da minha casa pra pedir desculpas. Como se ele estivesse arrependido. Eu já tinha visto aquele filme várias vezes.

Poxa, você deve estar me achando uma chata, né? Mas vida de namorada de músico não é nada fácil. Eu sinto que, nesses 3 anos de namoro, eu sempre apoiei o Samuel, mas ele me apoiou muito pouco. E, por mais que eu goste dele, eu tenho que gostar mais de mim, né?

Ah, sim, eu gosto daquele cara. Mesmo agora, com raiva, chateada, brava, eu não queria que as coisas tivessem acabado como acabaram. Eu ainda quero meu namorado. Eu amo o Samuel, e acho que as coisas seriam muito mais fáceis se eu não o amasse. Não é fácil achar um cara como ele: entre todos os defeitos e qualidades, o Samuca sempre tem um sorriso lindo no rosto. Sem falar naqueles bíceps, né, e nas camisetas gola V que me provocam suspiros, mas isso é outra história.

Depois da nossa briga, e dele ter batido a porta na minha cara, eu subi pro meu quarto chorando muito. Minha mãe veio atrás de mim, aflita, querendo saber o que tinha acontecido. Entre lágrimas infinitas, consegui contar tudo pra ela. Pra minha surpresa, enquanto ouvia, ela pediu pra eu esperar um minuto e sumiu. Todo mundo estava sumindo da minha vida.

De repente ela voltou. Disse que tinha ligado pra Lana e que ela ia dormir aqui comigo; uma das coisas que eu mais gosto na Lana é que ela está sempre pronta pra vir dormir aqui em casa, principalmente quando eu não tô muito bem. Como o jantar que eu tinha preparado com tanto amor e carinho estava intocado, minha mãe arrumou tudo de novo pra gente jantar juntas.

Chorar dá fome. Quando a Lana chegou, a gente atacou a comida, e jantar ao lado das minhas maiores amigas acabou me animando. As duas me fizeram rir muito. No meio do jantar, mamãe até resolveu me contar sobre meu pai. Ele é meio que um assunto proibido aqui em casa. Moreno lindo, olhos azuis e cabelos cacheados, mamãe diz que ele parecia um príncipe, gentil, cavalheiro, enchia minha mãe de presentes e carinho. “Até pulamos de paraquedas juntos”, ela disse, como se estivesse com saudade. Ele falava que a amava, que queria casar com ela e encher o mundo de lindos filhos, e ele queria meninas, para trata-las como princesas.

Um ano depois, minha mãe engravidou, e achou que essa notícia o deixaria radiante. Ela disse que, ao saber da notícia, ele fez a expressão mais horrenda desse mundo, começou a arrumar uma mala e foi embora sem nem dar tchau. Eu nasci, minha mãe teve que me criar sozinha, mas ela disse que adorou me ter só pra ela. É, eu amo minha mãe.

Elas tentaram me animar mais. Disseram que o fim do namoro não era o fim do mundo, que logo tudo iria passar e eu ia encontrar outro menino pra ser meu príncipe.
Mas o Samuca é meu príncipe! Como eu posso ficar “ok” com o fim do namoro com o homem da minha vida? Eu não quero outro menino nunca mais, é ele ou ninguém.

É claro que, para elas, é fácil dar esse tipo de conselho. Elas não viveram esses 3 anos com ele, não deram as risadas que a gente deu. Elas não estavam no dia em que demos nosso primeiro beijo, e não poderiam saber que, quando voltei pra casa, eu tinha certeza que era a garota mais feliz do mundo. Elas não sabiam que quando eu deitava no colo dele, e ele me fazia cafuné, meus problemas sumiam. Elas também não viveram os momentos de briga, quase sempre por causa da banda ou das milhares de garotas que davam em cima dele, que sempre se transformavam nas melhores reconciliações. Será que teríamos mais uma dessas, ou agora acabou de vez?
Comemos a lasanha, que de repente perdeu completamente o sabor: parecia que eu estava mastigando uma massinha insossa. Fui obrigada a comer a sobremesa, afinal era bolo de sorvete e o término não podia estragar o gosto dessa delícia. Viramos a madrugada assistindo filmes: começamos pela comédia, mas logo estávamos indo para o terror. Minha mãe, medrosa como sempre, foi correndo dormir antes que a sessão horror começasse e eu e a Lana fizemos pipoca e brigadeiro.

- Lis (ela me chamava assim porque gosta da Clarice Lispector e decidiu pegar o Lis pra ser meu apelido. Nem sempre é fácil entender a Lana), você está bem?

- Não muito Lana. Você sabe o quanto eu gosto dele. E tudo aconteceu tão de repente: foi explosivo, não dá pra explicar, igual uma bomba, de repente BUM!

- Oh amiga, ninguém esperava isso mesmo, vocês estavam há tanto tempo juntos.
– Sim, a gente tava falando sobre casamento já. Ele queria que eu fosse morar com ele assim que a gente terminasse a faculdade.
– E você acha que tem volta?
– Eu não sei. Ele nem deu sinal de vida desde o momento que bateu a porta na minha cara, saiu irritado, disse que, se era pra escolher entre eu e o sonho da vida dele, então ele escolheria o sonho, e que, se eu o amasse, não estaria fazendo isso. Mas como eu estava fazendo então estava tudo terminado e BUM! Bateu a porta na minha cara e fim.

Voltei a chorar. A injustiça daquelas palavras ainda doía, e dizê-las para a Lana era como extrair um veneno de mim mesma. O que me deixava mais injuriada é que, durante todos esses anos, eu sempre apoiei o Samuel. Eu fui a todos ensaios, aos poucos shows, e aceitei, quase sempre sem reclamar, todas aquelas tardes em casa, sozinha, com o meu namorado longe de mim. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, a gente fica cansada.

- Então vamos comer toda essa pipoca e esse brigadeiro e ver que a vida não é só namoro, é comida também.

Rimos muito. A Lana sabe como deixar as pessoas bem. Comemos, assistimos os filmes de terror, gritamos, rimos dos nossos gritos, e gritamos um pouquinho mais. No fim, com uma voz cautelosa, a Lana disse:
– Lis, vamos ao ensaio da banda amanhã?
– NEM PENSAR! VOCÊ NÃO ESTÁ NEM LOUCA DE ME FAZER UM CONVITE DESSES!
– Fala baixo menina, sua mãe tá dormindo – a Lana disse, aflita.
– Sério Lana, você pirou na batatinha, eu não vou nesse ensaio, não quero encontrar o Samuel lá, e nem aparecer naquele ambiente, afinal foi por isso que a bomba explodiu.
– Mas você ia ter uma chance de conversar com ele! Quem sabe vocês não se entendem? Vocês dois estavam de cabeça quente, não vale a pena terminar um namoro tão lindo, de tanto tempo.
– Ele não quer falar comigo – eu disse, torcendo para que isso não fosse verdade.
– Se ele não quiser falar com você, você fica conversando com o Lucas, ele sempre está lá mesmo e vocês são amigos.
– Mas o Lucas provavelmente também não quer falar comigo.

O Lucas é o melhor amigo do Samuel. E isso não deixa de ser curioso, sabe, porque os dois são completamente diferentes. Um é guitarrista de uma banda, e o outro escreve poesias. E, sério, nada é mais engraçado do que quando os dois se juntam. Ah, eu adoro o Lucas, claro: ele é um cara super inteligente e, tenho certeza, poderia me ajudar em mais essa fase da minha vida. O mais legal do Lucas é que é realmente fácil conversar com ele: parece que, sempre que eu preciso, ele está lá, com aquelas palavras bonitas e aquele jeito meio atrapalhado que me diverte o tempo inteiro. A perspectiva de falar com ele é ótima, claro, mas eu não faria isso com o coitado: aposto que o Samuel já encheu a cabeça dele de coisas e, afinal de contas, ele precisa ser fiel ao melhor amigo. Não, era melhor deixar o Lucas quieto. Até porque a Lana já tinha voltado a falar:

- Amiga, presta atenção: você vai, tenta se resolver e, se não conseguir, pelo menos tenta se distrair, e depois dorme lá em casa.

- Amanhã a gente vê isso Lana, eu tö com sono, vamos dormir agora.

Na verdade, eu não estava com sono nenhum, mas não queria continuar com aquele assunto. “Talvez ela tenha razão, mas não sei se quero ver o Samuel, então é melhor dormir”, lembro de ter pensado, antes de fechar os olhos.

-LANAAAA! CLARICEEEEE! Acordem Belas Adormecidas, já é uma hora da tarde e as duas ainda roncando! – “acordar com os gritos da mamãe” é o terceiro item da lista das “coisas que eu mais odeio na vida”.

A Lana acordou no desespero e, em um pulo, parecia já estar pronta: – MEU DEUS TIA! Eu tenho que voar pra casa, arrumar toda a garagem e a casa e tudo!

Ela saiu pegando as coisas, escovando os dentes, penteando o cabelo, correndo pela porta e falando comigo, que, recém-acordada, só conseguia pensar “como essa menina consegue fazer tudo isso ao mesmo tempo?”.
– Lis, tô te esperando pro ensaio, ai de você se não vier. Tia, dá um jeito dessa garota ir ao ensaio, hein? Não quero minha amiga trancada em  casa o dia inteiro, ela vai dormir na minha casa hoje! Beijos, meninas.

E lá se foi a Lana, minha melhor amiga, completamente doida.
E aqui estou eu, com a minha mãe insistindo pra eu ir na droga do ensaio pra conversar melhor com o Samuel e resolver minha vida. E, como mãe é mãe, decidi ir.
“Se é pra ir, então eu vou direito”, pensei. Eu não queria simplesmente ir pra lá e mostrar aos meus amigos que estava tudo bem comigo. Eu queria deixar o Samuel de queixo caído, arrependido, pensando na besteira que ele fez: tomei um banho delicioso e renovador, deixei meus cabelos soltos, meio molhados, e passei uma maquiagem bem franca e escolhi, a dedo, o meu vestido. “Gata, você sabe que eu te amo demais, né, mas não sei se o sentimento seria assim tão forte se você não tivesse essas pernas”, o Samuel me disse uma vez, com uma risada provocante, e eu dei um tapa nele. Sorri, lembrando daquilo, e depois chorei, lembrando de ontem à noite.

Mas, mesmo tranquila por fora, eu cheguei na casa da Lana com o coração na boca de tanto desespero, toquei a campainha e ela abriu a porta pra mim. Até a Lana, que era a Lana, estava com uma expressão meio aflita no rosto. Eu queria perguntar se o ensaio já tinha começado, mas não consegui falar muita coisa. Ela me puxou pelo braço, disse “vem”, e me levou pra garagem. Quando meus olhos encontraram os do Samuca, meu coração bateu mais forte e o tempo parou. Por um momento, pensei “como é que eu vim parar aqui?” e tive vontade de sair correndo, chorando. Fiquei estática. E agora? O que eu faço? Estou paralisada, minhas pernas não querem se mover, acho que vou desmaiar. Me sinto fraca e de repente vejo o chão vindo de encontro a mim.

Pensei na voz da minha mãe que dizia “Quando a Clarice fica muito nervosa, a pressão dela baixa, e ela desmaia!”. E aí eu caí.

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