Capítulo 5
LANA
Autoras: Hadassa Fentanes e Júlia Barbosa
Ah, a propósito, como você provavelmente já deve ter
adivinhado, é a Lana aqui.
Bem, como eu estava dizendo, tudo começou quando a Lis e o
Samuel terminaram de repente. Foi tipo assim, do nada. E sabe, era um namoro de
três anos, do tipo que você já pode esperar o convite de casamento daqui a um
tempo, porque você sabe que vai chegar uma hora ou outra.
Quer dizer, foi o que eu pensei.
Então eles terminaram e tudo virou do avesso. Minha melhor
amiga estava chorando compulsivamente e eu tinha que fazer alguma coisa. Então
sugeri que ela tentasse conversar com o Samuca, pra ver no que ia dar.
Foi a pior ideia que eu já tive. E eu já tive muitas ideias
ruins, acredite em mim.
O pessoal da banda estava ensaiando na garagem da minha
casa, como sempre, e o Samuel resolveu surtar no meio da música, pra variar. Começou
a reclamar de como a gente não estava fazendo nada direito, e de como estava
tudo errado, e um monte de outros problemas que NUNCA existiram, mas que ele
pareceu notar todos eles bem agora.
Desse jeito, não iríamos chegar a lugar algum. Mas pelo
menos a gente tava tentando.
Foi quando eu ouvi o grito.
- Lucas! – Lis gritou da sala de estar.
A porta bateu alguns
segundos depois.
Parei o que quer que estivesse fazendo e corri pra lá o mais
rápido que pude. Lis estava com uma aparência bem melhor agora, mas parecia
estar preocupada.
E sim, eu sei que o nome dela é Clarice, mas eu não consigo
chamar ela assim. Lis é tão mais fofinho.
- O que aconteceu? – perguntei assim que cheguei.
- Eu não sei – ela respondeu, se levantando do sofá – Ele
estava aqui conversando comigo e de repente... saiu correndo.
Lucas, muito estranho esse garoto. Nunca fala nada, anda
pelos cantos, sai correndo das casas alheias. Desde que eu conheci ele, sempre
desconfiei de que fosse um E.T. disfarçado. Ele nunca faz o que a maioria das
pessoas fazem. Isso claramente prova que ele é um E.T. Por isso que se deve ser
educado com as outras pessoas: nunca se sabe quando elas são de outro planeta.
Assim, quando elas dominarem o mundo, teremos um lugar ao lado delas no poder.
Samuel, que já não estava de bom humor, apareceu na entrada
da porta, não parecendo muito feliz, e perguntou:
- O que aconteceu aqui?
- Nada, Samuel – respondi, tentando acalmá-lo – O Lucas só
foi embora.
- Ah, então agora você conseguiu tirar o Lucas do sério
também? – disse ele, lançando um olhar acusatório para Lis.
- Eu não quero começar uma briga – ela respondeu – Só vim aqui
conversar.
- Ah, é? Sobre o quê? Sobre você ter terminado comigo
justamente por causa de um ensaio como o que você está atrapalhando agora? –
disse ele, falando cada vez mais alto.
Ah, não. Deu treta.
- Não venha me dizer que fui eu quem terminei com você,
porque você sabe muito bem que não foi isso que aconteceu – A essa altura, o
rosto dela estava muito, muito vermelho, como ficava nas raras vezes em que ela
se irritava desse jeito. Eu não ficaria surpresa se a cabeça dela explodisse de
repente – Foi você quem terminou comigo quando resolveu ME trocar pela SUA
banda!
- Na verdade, você parecia bem disposta a se livrar de mim
quando me mandou escolher entre você e o sonho da minha vida!
- Achei que EU fosse o sonho da sua vida!
Então, quando as coisas estavam começando a ficar
interessantes, Emily, que aparentemente já estava ali há um bom tempo assim
como Benjamin, resolveu se manifestar:
- Bem, já que vocês não estão afim de ensaiar, eu vou nessa
– disse, e saiu pela porta da frente.
- Aposto cinco reais na Lis – sussurrei pro Ben. Ele me
olhou de cara feia e sacudiu a cabeça.
Samuel e Lis se encaravam sem dizer nada, mas seus olhares
diziam tudo que estavam pensando. E não eram pensamentos nada amigáveis.
- Eu trouxe a lasanha! – disse mamãe, aparecendo no corredor
com um prato de sua famosa lasanha nas mãos.
- Agora não, mãe – Ben falou, lançando a ela um olhar de
advertência.
- Não, tia, não precisa mais – respondeu Samuel, ainda
olhando pra Lis – Eu já estava de saída mesmo – indo em direção à porta – Mas
obrigado mesmo assim – e finalmente se foi.
Lis me olhou com os olhos cheios de lágrimas.
- Acho que eu também já vou indo.
- Mas já? – minha mãe perguntou – Você acabou de chegar!
- Me desculpe, dona Ana, mas é que eu... hã... – ela me
olhou, como se implorasse por ajuda.
- É, ela lembrou que tem que... fazer umas coisas –
respondi, pensando rápido – Coisas... importantes.
- Tudo bem, então – mamãe falou, parecendo desconfiada –
Tchau, Clarice.
Lis olhou pra mim, agradecida. Então se despediu e foi
embora.
Minha mãe me encarou.
- Vocês têm uns amigos estranhos – disse ela, então voltou
pra cozinha, comendo a lasanha do prato que segurava.
- Ei, guarda pra mim também! – gritei pra ela.
Ben me encarou.
- O que você tem na cabeça? – perguntou, parecendo irritado.
- Eu não sei – respondi, confusa – O que eu deveria ter na
cabeça?
- Foi você quem chamou a Clarice aqui.
- Ah, sim... eu chamei.
- E olha a confusão que você arrumou!
- Só porque todo mundo foi embora?
- Você não entende, não é mesmo? – então foi pro quarto, com
raiva.
Fui até a cozinha um tempo depois.
Ben tinha razão.
A culpa era toda minha.
Eu tinha estragado tudo. Eu chamei a Lis aqui, eu
fiz ela brigar com o Samuel, eu acabei
com o ensaio da banda, e ainda estou aqui, comendo essa lasanha deliciosa,
enquanto meus amigos estão em casa chorando ou esmurrando coisas.
Eu sou uma pessoa terrível.
Michelângelo entrou na cozinha e se aproximou.
- Eu sou uma pessoa terrível! – gritei pra ele.
O gato miou em concordância.
- Não precisa jogar na cara – reclamei. Michelângelo subiu
no meu colo e tentou roubar a lasanha de cima da mesa – Não, Mikey! Você é um
gato terrível também, não é?
Me senti mal. Agora eu era egoísta também. Não compartilhava
minha comida com meu próprio gato.
Cortei um pedaço da lasanha e dei a Michelângelo, e quando
terminei de comer, fui pra cama.
Demorei a dormir, pensando em aliens, lasanhas e na pessoa
terrível que eu era. Quando acordei, com o barulho do despertador perturbando
meus ouvidos, me levantei e fui me arrumar para ir à escola.
Eu era a mais nova da banda, então era a única que ainda
estava no ensino médio. Era meio chato, já que tinha poucos amigos na escola,
mas pelo menos estava no último ano.
Fui até o banheiro e me olhei no espelho. Minha cara estava
horrível e o cabelo todo pro alto. Tomei um banho, vesti o uniforme que eu
odiava, terminei de me arrumar e fui até a cozinha tomar café. Quer dizer, não
exatamente tomar café, até porque eu odiava café, mas fui comer alguma coisa.
Ben entrou na cozinha e bebeu um copo d’água. Olhava de
relance pra mim algumas vezes, mas não dizia nada. Ele sempre ficava quieto
quando estava com raiva de mim, então resolvi falar primeiro:
-Desculpa, eu não fazia ideia do que tava fazendo – falei,
quase implorando – Eu estraguei tudo mais ainda e agora não sei o que fazer.
Ele se recostou na pia e olhou pra mim, dizendo:
- Fala com a Clarice, eu vou tentar falar com o Samuel,
acalmar ele, sei lá.
- Falar o quê, exatamente?
- Isso tem que acabar, quero dizer, eles não podem continuar
gritando um com o outro toda vez que se encontrarem agora. Eles têm que
resolver isso logo – ele respondeu, abrindo o armário pra pegar um pacote de
biscoitos.
- É... acho que vou falar com ela, sim – eu disse, com um
suspiro.
- Agora anda logo, porque você já tá atrasada – ele falou ,
apontando para o relógio na parede - Que droga, hein? Ainda tem que estudar
mais um ano. Ainda bem que a escola já acabou pra mim.
- Falou o senhor desocupado que não faz nada de útil o dia
todo – retruquei com um sorrisinho. Ele colocou um biscoito na boca – Ei, esse
biscoito! Me dá um!
- Não, é meu – ele replicou e saiu andando para fora da
cozinha – É só pra desocupados que não fazem nada de útil o dia todo.
- Ah, Ben, larga de ser mau! – gritei, enquanto seguia ele e
tentava roubar o pacote.
Alguns minutos depois, mandei uma mensagem pra Lis, chamando
ela pra se encontrar comigo depois da aula. Ela respondeu que sim e então eu
fui pra escola.
A aula foi chata como de costume, mas pelo menos teve
doritos no recreio. Depois de estudar a Guerra Fria até ter todos os fatos
históricos grudados eternamente na minha cabeça, o sinal da saída tocou e eu
fui me encontrar com a Lis no Squalor.
O Squalor era uma lanchonete que ficava a meio caminho da
minha escola e da faculdade onde a Lis estudava, então a gente se encontrava lá
às vezes durante o intervalo das aulas dela pra conversar e passar o tempo
juntas. A banda também se reunia lá de vez em quando, quando tinha algum
assunto importante pra gente discutir.
Era também onde o Lucas trabalhava, agora que tinha
terminado os estudos, pra ganhar um dinheirinho extra. Lucas, muito estranho
aquele garoto, mas acho que eu já falei isso antes.
Assim que cheguei, avistei a Lis conversando com o Lucas em
um canto, então acenei, avisando que já tinha chegado, e escolhi uma mesa para
me sentar.
O Squalor era pequenininho, fofinho e coberto de
quadradinhos coloridos nas paredes, e eu adorava quadradinhos coloridos. A
insígnia era uma grande taça com um líquido transparente e uma azeitona dentro,
estampada nos uniformes de todos os funcionários.
Foi quando eu avistei a Emily sentada sozinha em uma mesa do
outro lado da lanchonete. Ela olhava pro Lucas com um ódio mortal enquanto
bebia seu refrigerante, sabe-se lá quantos planos malignos de morte e tortura
passando pela sua cabeça.
Ou talvez não. Acho que a Emily não era malvada, mas apenas
incompreendida. Ela nunca se abria com ninguém, não gostava de conversar,
odiava todo mundo... sei não. Talvez tivesse perdido alguém da família quando
era pequena, passado por uma situação difícil, ou talvez nunca tenha tomado
refrigerante de laranja. É como beber a felicidade.
Então, lá estava eu, distraída, e nem percebi quando a Emily
se levantou, caminhando na direção da lixeira, bem ao lado de onde a Lis e o
Lucas estavam.
E de repente, ela estava bem atrás dele, dando um esbarrão
que derramou todo o refrigerante que segurava em seu uniforme de uma só vez.
- Ah, me desculpe – Emily disse, não parecendo muito
convincente – Foi sem querer mesmo.
Então ela foi embora.
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