sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A garota da minha vida - Capítulo 5

Capítulo 5

LANA 

Autoras: Hadassa Fentanes e Júlia Barbosa


Lá estava eu no meu mundinho feliz, sem saber da confusão em que estava me metendo.

Ah, a propósito, como você provavelmente já deve ter adivinhado, é a Lana aqui.

Bem, como eu estava dizendo, tudo começou quando a Lis e o Samuel terminaram de repente. Foi tipo assim, do nada. E sabe, era um namoro de três anos, do tipo que você já pode esperar o convite de casamento daqui a um tempo, porque você sabe que vai chegar uma hora ou outra.

Quer dizer, foi o que eu pensei.

Então eles terminaram e tudo virou do avesso. Minha melhor amiga estava chorando compulsivamente e eu tinha que fazer alguma coisa. Então sugeri que ela tentasse conversar com o Samuca, pra ver no que ia dar.

Foi a pior ideia que eu já tive. E eu já tive muitas ideias ruins, acredite em mim.

O pessoal da banda estava ensaiando na garagem da minha casa, como sempre, e o Samuel resolveu surtar no meio da música, pra variar. Começou a reclamar de como a gente não estava fazendo nada direito, e de como estava tudo errado, e um monte de outros problemas que NUNCA existiram, mas que ele pareceu notar todos eles bem agora. 

Desse jeito, não iríamos chegar a lugar algum. Mas pelo menos a gente tava tentando.

Foi quando eu ouvi o grito.

- Lucas! – Lis gritou da sala de estar. 

A porta bateu alguns segundos depois. 
              
Parei o que quer que estivesse fazendo e corri pra lá o mais rápido que pude. Lis estava com uma aparência bem melhor agora, mas parecia estar preocupada.

E sim, eu sei que o nome dela é Clarice, mas eu não consigo chamar ela assim. Lis é tão mais fofinho.

- O que aconteceu? – perguntei assim que cheguei.

- Eu não sei – ela respondeu, se levantando do sofá – Ele estava aqui conversando comigo e de repente... saiu correndo.

Lucas, muito estranho esse garoto. Nunca fala nada, anda pelos cantos, sai correndo das casas alheias. Desde que eu conheci ele, sempre desconfiei de que fosse um E.T. disfarçado. Ele nunca faz o que a maioria das pessoas fazem. Isso claramente prova que ele é um E.T. Por isso que se deve ser educado com as outras pessoas: nunca se sabe quando elas são de outro planeta. Assim, quando elas dominarem o mundo, teremos um lugar ao lado delas no poder.

Samuel, que já não estava de bom humor, apareceu na entrada da porta, não parecendo muito feliz, e perguntou:

- O que aconteceu aqui?

- Nada, Samuel – respondi, tentando acalmá-lo – O Lucas só foi embora.

- Ah, então agora você conseguiu tirar o Lucas do sério também? – disse ele, lançando um olhar acusatório para Lis.

- Eu não quero começar uma briga – ela respondeu – Só vim aqui conversar.

- Ah, é? Sobre o quê? Sobre você ter terminado comigo justamente por causa de um ensaio como o que você está atrapalhando agora? – disse ele, falando cada vez mais alto.

Ah, não. Deu treta.

- Não venha me dizer que fui eu quem terminei com você, porque você sabe muito bem que não foi isso que aconteceu – A essa altura, o rosto dela estava muito, muito vermelho, como ficava nas raras vezes em que ela se irritava desse jeito. Eu não ficaria surpresa se a cabeça dela explodisse de repente – Foi você quem terminou comigo quando resolveu ME trocar pela SUA banda!

- Na verdade, você parecia bem disposta a se livrar de mim quando me mandou escolher entre você e o sonho da minha vida!

- Achei que EU fosse o sonho da sua vida!

Então, quando as coisas estavam começando a ficar interessantes, Emily, que aparentemente já estava ali há um bom tempo assim como Benjamin, resolveu se manifestar:

- Bem, já que vocês não estão afim de ensaiar, eu vou nessa – disse, e saiu pela porta da frente.

- Aposto cinco reais na Lis – sussurrei pro Ben. Ele me olhou de cara feia e sacudiu a cabeça.

Samuel e Lis se encaravam sem dizer nada, mas seus olhares diziam tudo que estavam pensando. E não eram pensamentos nada amigáveis.

- Eu trouxe a lasanha! – disse mamãe, aparecendo no corredor com um prato de sua famosa lasanha nas mãos.

- Agora não, mãe – Ben falou, lançando a ela um olhar de advertência.

- Não, tia, não precisa mais – respondeu Samuel, ainda olhando pra Lis – Eu já estava de saída mesmo – indo em direção à porta – Mas obrigado mesmo assim – e finalmente se foi.

Lis me olhou com os olhos cheios de lágrimas.

- Acho que eu também já vou indo.

- Mas já? – minha mãe perguntou – Você acabou de chegar!

- Me desculpe, dona Ana, mas é que eu... hã... – ela me olhou, como se implorasse por ajuda.

- É, ela lembrou que tem que... fazer umas coisas – respondi, pensando rápido – Coisas... importantes.

- Tudo bem, então – mamãe falou, parecendo desconfiada – Tchau, Clarice.

Lis olhou pra mim, agradecida. Então se despediu e foi embora.

Minha mãe me encarou.

- Vocês têm uns amigos estranhos – disse ela, então voltou pra cozinha, comendo a lasanha do prato que segurava.

- Ei, guarda pra mim também! – gritei pra ela.

Ben me encarou.

- O que você tem na cabeça? – perguntou, parecendo irritado.

- Eu não sei – respondi, confusa – O que eu deveria ter na cabeça?

- Foi você quem chamou a Clarice aqui.

- Ah, sim... eu chamei.

- E olha a confusão que você arrumou!

- Só porque todo mundo foi embora?

- Você não entende, não é mesmo? – então foi pro quarto, com raiva.

Fui até a cozinha um tempo depois.

Ben tinha razão. 

A culpa era toda minha.

Eu tinha estragado tudo. Eu chamei a Lis aqui, eu fiz ela brigar com o Samuel, eu acabei com o ensaio da banda, e ainda estou aqui, comendo essa lasanha deliciosa, enquanto meus amigos estão em casa chorando ou esmurrando coisas.

Eu sou uma pessoa terrível.

Michelângelo entrou na cozinha e se aproximou.

- Eu sou uma pessoa terrível! – gritei pra ele.

O gato miou em concordância.

- Não precisa jogar na cara – reclamei. Michelângelo subiu no meu colo e tentou roubar a lasanha de cima da mesa – Não, Mikey! Você é um gato terrível também, não é?

Me senti mal. Agora eu era egoísta também. Não compartilhava minha comida com meu próprio gato.

Cortei um pedaço da lasanha e dei a Michelângelo, e quando terminei de comer, fui pra cama.

Demorei a dormir, pensando em aliens, lasanhas e na pessoa terrível que eu era. Quando acordei, com o barulho do despertador perturbando meus ouvidos, me levantei e fui me arrumar para ir à escola.

Eu era a mais nova da banda, então era a única que ainda estava no ensino médio. Era meio chato, já que tinha poucos amigos na escola, mas pelo menos estava no último ano.

Fui até o banheiro e me olhei no espelho. Minha cara estava horrível e o cabelo todo pro alto. Tomei um banho, vesti o uniforme que eu odiava, terminei de me arrumar e fui até a cozinha tomar café. Quer dizer, não exatamente tomar café, até porque eu odiava café, mas fui comer alguma coisa.

Ben entrou na cozinha e bebeu um copo d’água. Olhava de relance pra mim algumas vezes, mas não dizia nada. Ele sempre ficava quieto quando estava com raiva de mim, então resolvi falar primeiro:

-Desculpa, eu não fazia ideia do que tava fazendo – falei, quase implorando – Eu estraguei tudo mais ainda e agora não sei o que fazer.

Ele se recostou na pia e olhou pra mim, dizendo:

- Fala com a Clarice, eu vou tentar falar com o Samuel, acalmar ele, sei lá.

- Falar o quê, exatamente?

- Isso tem que acabar, quero dizer, eles não podem continuar gritando um com o outro toda vez que se encontrarem agora. Eles têm que resolver isso logo – ele respondeu, abrindo o armário pra pegar um pacote de biscoitos.

- É... acho que vou falar com ela, sim – eu disse, com um suspiro.

- Agora anda logo, porque você já tá atrasada – ele falou , apontando para o relógio na parede - Que droga, hein? Ainda tem que estudar mais um ano. Ainda bem que a escola já acabou pra mim.

- Falou o senhor desocupado que não faz nada de útil o dia todo – retruquei com um sorrisinho. Ele colocou um biscoito na boca – Ei, esse biscoito! Me dá um!

- Não, é meu – ele replicou e saiu andando para fora da cozinha – É só pra desocupados que não fazem nada de útil o dia todo.

- Ah, Ben, larga de ser mau! – gritei, enquanto seguia ele e tentava roubar o pacote.

Alguns minutos depois, mandei uma mensagem pra Lis, chamando ela pra se encontrar comigo depois da aula. Ela respondeu que sim e então eu fui pra escola.

A aula foi chata como de costume, mas pelo menos teve doritos no recreio. Depois de estudar a Guerra Fria até ter todos os fatos históricos grudados eternamente na minha cabeça, o sinal da saída tocou e eu fui me encontrar com a Lis no Squalor.

O Squalor era uma lanchonete que ficava a meio caminho da minha escola e da faculdade onde a Lis estudava, então a gente se encontrava lá às vezes durante o intervalo das aulas dela pra conversar e passar o tempo juntas. A banda também se reunia lá de vez em quando, quando tinha algum assunto importante pra gente discutir.

Era também onde o Lucas trabalhava, agora que tinha terminado os estudos, pra ganhar um dinheirinho extra. Lucas, muito estranho aquele garoto, mas acho que eu já falei isso antes.

Assim que cheguei, avistei a Lis conversando com o Lucas em um canto, então acenei, avisando que já tinha chegado, e escolhi uma mesa para me sentar.

O Squalor era pequenininho, fofinho e coberto de quadradinhos coloridos nas paredes, e eu adorava quadradinhos coloridos. A insígnia era uma grande taça com um líquido transparente e uma azeitona dentro, estampada nos uniformes de todos os funcionários.

Foi quando eu avistei a Emily sentada sozinha em uma mesa do outro lado da lanchonete. Ela olhava pro Lucas com um ódio mortal enquanto bebia seu refrigerante, sabe-se lá quantos planos malignos de morte e tortura passando pela sua cabeça.

Ou talvez não. Acho que a Emily não era malvada, mas apenas incompreendida. Ela nunca se abria com ninguém, não gostava de conversar, odiava todo mundo... sei não. Talvez tivesse perdido alguém da família quando era pequena, passado por uma situação difícil, ou talvez nunca tenha tomado refrigerante de laranja. É como beber a felicidade.

Então, lá estava eu, distraída, e nem percebi quando a Emily se levantou, caminhando na direção da lixeira, bem ao lado de onde a Lis e o Lucas estavam.

E de repente, ela estava bem atrás dele, dando um esbarrão que derramou todo o refrigerante que segurava em seu uniforme de uma só vez.

- Ah, me desculpe – Emily disse, não parecendo muito convincente – Foi sem querer mesmo.

Então ela foi embora.

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