terça-feira, 21 de outubro de 2014

A garota da minha vida - Capítulo 6


Capítulo 6

CLARICE

Autor: Thales Mendes


- É, amiga, acho que a gente concorda que você não está no melhor momento da sua vida, né?


Essa frase da Lana fica batendo e voltando na minha cabeça, o tempo todo. Ela não disse nada de novo, mas soube resumir muito bem: não, eu não estou no melhor momento da minha vida.

Primeiro, meu namoro termina.  Depois, disposta a falar com o meu (ex?) namorado, eu desmaio na frente dele e de um monte de gente. Aí a vida melhora um pouco quando converso com o Lucas e penso, olhando pra ele, que aquele garoto sempre consegue me animar. Não sei bem o que é: talvez a calma que ele tem na voz, ou o olhar quase sempre perdido, como se, enquanto falasse, ele estivesse pensando em um milhão de outras coisas, mas não quisesse ou não pudesse falar sobre. A Lana achava aquilo meio estranho, meio misterioso demais, mas eu gostava. Era um jeito doce, até meio ingênuo, desses que a gente não encontra em qualquer cara por aí.

É por isso que eu gosto tanto de tê-lo como amigo. Ele é sincero, fala coisas legais, e sempre me faz sentir melhor. Mas aí, enquanto a gente tá conversando na casa da Lana, ele simplesmente diz “Não posso mais ficar aqui”, se levanta, e sai correndo. E aí eu fico sem namorado e sem melhor amigo, e só com a Lana para me aguentar o dia todo. Não é fácil pra ela, coitada!

Olha só, eu vou te dizer uma coisa sobre corações partidos: a gente vê nos filmes como as meninas que terminam com o namorado ficam em casa detonando potes imensos de sorvete, vendo comédias românticas e se acabando de chorar. Eu até tentei fazer isso (principalmente a parte do sorvete), mas descobri que a regra não funciona comigo: não consigo prestar atenção no filme, vou ficando inquieta, agitada, querendo desesperadamente me levantar e fazer alguma coisa, embora não saiba o quê.

Como se estivesse lendo meus pensamentos, a Lana me manda uma mensagem: “Ei, que tal uma conversa? Squalor, depois da minha aula, antes da sua :D” . Não pude deixar de sorrir: a vida seria realmente bem pior se a Lana não estivesse comigo.

Como o tempo simplesmente não parecia passar, eu decidi ir logo para o Squalor. Mesmo que ela fosse demorar a chegar, eu pelo menos tomaria alguma coisa, enquanto a esperava. E tinha a chance de tentar uma conversa com o Lucas, pra saber se estava tudo bem.

Assim que cheguei, o vi, de longe, naquele uniforme engraçado que sempre parecia grande demais pra ele. Acenei, e ele veio em minha direção, segurando um copo de refrigerante que devia ter sido pedido por alguém:

- Tem mesa pra dois, garçom? – eu perguntei só por perguntar, porque já tinha visto que a lanchonete estava praticamente deserta àquela hora.

- Tem – ele disse, corando. – Quer escolher o lugar?

- Na verdade, eu queria que você me explicasse o seu surto de ontem – disse.

Eu não pretendia que a frase saísse daquele jeito. Ele ergueu as sobrancelhas pra mim, assustado, como se eu estivesse acusando-o de um crime. Em outras circunstâncias, acho que teria sido mais delicada, mas realmente não estava com cabeça pra ser delicada naquele momento.

- Eu não surtei …- ele falou, coçando a cabeça.

- Não, imagina, você simplesmente se levantou, saiu correndo e bateu a porta. O que houve?

Ele continuou me olhando, sem dizer nada, com o copo de refrigerante de alguém nas mãos, e aquela sensação de que o Lucas estava pensando em milhões de coisas que não podia dizer me voltou, mais forte do que nunca.

- Bom, me desculpa… – ele disse, por fim – Eu acabei me lembrando que tinha que voltar pra casa, e..

- Deixa de besteira, Lucas, e não mente pra mim. Vai, fala logo.

Ele me olhou e, de repente, toda a timidez tinha sumido daquele rosto. Seus olhos, normalmente tão calmos, foram tomados por uma determinação que eu nunca tinha visto e, quando encontraram os meus, senti uma vontade incontrolável de olhar pra qualquer outro lugar. Dessa vez, quem ficou vermelha fui eu, sem nem saber o porquê. Há muito tempo não ficava tão vermelha perto de alguém.

- Você tem certeza que não sabe por que eu saí de lá, Clarice?

- Tenho – respondi, desconfiada.

- E tem certeza que quer saber?

Senti um misto de curiosidade e medo crescendo dentro de mim. Eu nunca tinha visto o Lucas me olhar daquele jeito, e nem falar daquele jeito. Ali, na minha frente, não estava o garoto doce. Ali, estava o garoto misterioso que a Lana sempre vê, que parece cheio de segredos, que parece, de algum jeito, me entender mais do que eu entendo a mim mesma. A pergunta dele ecoou. Será que eu queria saber? Será que eu já não sabia?

De repente, uma teoria começou a querer se formar. Na verdade, foi mais como se ela já estivesse lá dentro o tempo todo, pronta para se mostrar, só esperando que eu fosse procura-la. Minha cabeça lembrava em flashes de cenas bastante específicas que pareciam ter algum significado, embora eu ainda não soubesse exatamente qual era: aquela vez em que eu queria mais mostarda pro meu cachorro quente e ele roubou o sachê da Lana e me entregou, sem que ela percebesse; o livro que ele me deu no meu último aniversário, e aquele cartão que dizia “que a amizade nos faça sempre sorrir”; nós dois pulando feito bobos porque éramos a única plateia do ensaio da banda do Samuel…

Todas essas lembranças de uma vez, sem nenhuma explicação aparente. Ele continuava me olhando, e eu continuava pensando naquelas coisas, buscando um sentido. Me sentia como se estivesse tentando me lembrar de uma música enquanto ouvia outra, e precisava desesperadamente de alguns segundos de paz para poder pensar no significado daquilo tudo.

Mas aí, de repente, um barulho me fez despertar. Vi o Lucas dar um pulo pra frente e derrubar todo o refrigerante nele mesmo. Foi um banho. Depois, vi a Emily, surgindo do nada, se desculpando. Aparentemente, ela tinha esbarrado nele. Eu precisava me lembrar de pedir uma cópia do vídeo da câmera de segurança ao dono do Squalor: a cena do Lucas tomando banho de refrigerante deveria ser lembrada pelo resto de nossas vidas.

Foi aí que eu vi a Lana.

- Ei, o que aconteceu lá? Banho de refri? – ela perguntou, curiosa.

- É, acho que sim.

- Legal. Eu já fiz isso com refrigerante de laranja, é uma delícia.

Uma das coisas mais legais sobre a Lana é que, quando ela fala uns absurdos desse tipo, você pode ter quase certeza de que é verdade. Ela é suficientemente maluca pra tomar um banho de refrigerante por conta própria.

- E aí, como você tá? – ela perguntou, só por perguntar, porque o que queria dizer mesmo era “e aí, desabafa”.

- Tô bem.

- Sei, Lis. Agora pode falar a verdade.

Aí eu falei. Contei pra ela sobre a conversa com o Lucas no ensaio, contei que eu estava praticamente sem dormir desde então, e que eu não conseguia mais ver filme, contei que o Samuel não ligava e nem dava notícia e que isso me deixava louca, porque parecia que tudo estava bem na vida dele, enquanto, pela primeira vez, eu não tinha a menor ideia do que fazer com a minha. E a Lana me ouviu, paciente, como sempre, tentando me acalmar com alguns sorrisos. Até que ela perguntou:

- Lis, você quer voltar pro Samuel?

É, a Lana era direta, não dá pra negar. Depois de me ouvir por minutos que pareceram horas, ela me fez a pergunta que ficava martelando a minha cabeça, mas que eu não tinha coragem de fazer em voz alta.

- E-eu… não sei. – disse, com uma sinceridade que beirava o desespero.

- Bom, isso já esclarece as coisas.

- Esclarece? – eu perguntei, rindo, certa de que ela estava sendo irônica.

- Pelo menos ajuda. Você nunca disse “não sei” sobre o Samuel antes.

Eu olhei pra ela, séria, tentando absorver a verdade naquelas palavras. Ela tinha razão, é claro: o Samuca, pra mim, nunca tinha sido dúvida. Em todas as vezes que me senti triste, seja por causa das brigas, seja porque o namoro não estava indo como eu imaginava, eu nunca duvidei de que tê-lo por perto era a melhor coisa do mundo. Eu queria aquele cara comigo, brigando ou não, ausente ou não. Eu precisava dele, porque eu era completa com ele.  E agora…

- O que mudou, Lis?

- Eu não sei! – e dessa vez o desespero era visível, eu sei.

- Sobre o que você e o Lucas conversaram, antes de eu chegar? – ela perguntou, como quem muda de assunto.

- Ãhn, ele me pediu desculpas por ter saído feito doido lá da sua casa…

- Sei. Só isso?

- É.

- É? E ele disse por que saiu?

- Ele ia dizer, mas…

- Mas…?

Aí eu contei pra ela, de novo. Afinal, a Lana merecia saber. Eu falei sobre aquele olhar que ele me lançou, e sobre as perguntas que me fez. Não disse nada sobre o fato de eu ter ficado surpresa e vermelha, mas desconfio que a Lana tinha percebido isso do mesmo jeito, porque ela continuava com aquele sorrisinho no rosto, como se soubesse de algo que eu não sei.

- Que bom, Lis, que você finalmente percebeu. Depois de três anos, eu estava começando a achar que você não fosse perceber nunca.

- Percebi o quê, Lana? – eu acho, mesmo, que já tinha percebido. Mas não ousava pronunciar aquelas palavras em voz alta, primeiro porque, se estivesse errada, morreria de vergonha. E depois porque, se estivesse certa, bom, então as coisas estavam muito mais complicadas do que eu achava.

- Percebeu que o Lucas é doidinho por você desde o dia em que te conheceu – ela disse, sem tirar o sorriso sabe-tudo do rosto.

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