sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A garota da minha vida - Capítulo 7


Capítulo 7

BENJAMIN

Autoras: Hadassa Fentanes e Júlia Barbosa


Era hora de alguém colocar algum juízo na cabeça do Samuel.


Não que fosse meu hobbie ir aconselhar pessoas. Muito pelo contrário, meu lema era: “O Ben não gosta de se meter em confusão”. E então, logo eu era quem tinha que falar com ele.

Minha sorte é admirável.

Mas talvez ela ainda fosse mudar. Um amigo meu conhecia um produtor musical que parecia estar interessado na nossa banda, e que poderia até conseguir um contrato, e disse que mandaria um email naquele dia pra me dizer a resposta. Já tinha conferido meus emails pelo menos dez vezes naquela manhã, então resolvi que era melhor ir logo à casa do Samuel, e que adiar aquela conversa só seria ainda pior.

Respirei fundo e bati na porta. Observar a maçaneta não resolveria meus problemas, infelizmente. Porque observar a maçaneta era realmente muito mais fácil. Mas nem sempre o mais fácil é a coisa certa a se fazer.

E no momento, a coisa certa era tentar fazer o Samuel não esganar, berrar, ou matar alguém toda vez que visse a Clarice. Eu sabia que isso seria difícil e cogitei a ideia de ir embora. Eu já tinha batido na porta, mas se fosse embora rápido o suficiente, ele poderia pensar que foi só uma criança brincando ou qualquer coisa assim. Me virei para ir.

- Ben? Você por aqui?

Droga.

Voltei até a porta com um sorriso amarelo.

- Oi – falei, enquanto Samuel me encarava, confuso – Posso falar com você um minuto?

- Claro, entra aí.

Ele fechou a porta atrás de si e nos sentamos um de frente pro outro, eu no sofá e ele na poltrona da sala.

- Eu não gosto de enrolação, então vou falar logo o que eu vim pra falar.

Samuel suspirou exageradamente.

- Se é sobre a Clarice que vamos falar... – ele começou a dizer.

- É, é exatamente sobre a Clarice que vamos falar – retruquei, interrompendo o que quer que ele fosse falar – Olha, eu sei que vocês terminaram, e é chato e tudo mais, mas você não acha que essa briguinha toda tem que acabar?

- Achei que você me apoiaria.

- Não é disso que se trata! O que tá acontecendo é que vocês dois não conseguem se encontrar sem começar uma briga e isso não só chateia vocês como todas as pessoas ao seu redor – Ele desviou o olhar e eu abaixei a voz. Não tinha percebido que estava quase gritando – Ela terminou com você, ou você terminou com ela, tanto faz. Isso não importa agora. Mas vocês dois têm que se resolver se quiserem seguir em frente.

Ele suspirou mais uma vez, ficando em silêncio durante um tempo.

- É, acho que você tá certo – disse, por fim – Foi mal, cara. Eu não queria envolver mais ninguém nisso.

Até que não foi tão difícil.

- Tudo bem. Acho que é pra isso que os amigos servem, afinal.

- Sabe, a verdade é que eu ficava dizendo que não queria ver a Clarice nunca mais, mas eu ficava esperando que ela voltasse. Que pedisse desculpa ou dissesse que estava errada. Qualquer coisa. Mas acontece que eu também estava errado.

- É, você consegue ser um grande idiota às vezes.

Ele esboçou um sorriso.

- Mas, sabe, eu ainda não entendo. Eu faço parte da banda há tanto tempo e ela nunca se incomodou com os ensaios e os encontros que eu perdia. Então por que terminar agora? O que mudou?

- Sei lá, cara – respondi – Garotas são estranhas.

- Pois é.

- Você vai ao ensaio mais tarde?

- Vou, mas acho que vou passar na Clarice primeiro. Conversar com ela sobre essa coisa toda.

- Que bom – eu disse, me levantando – Boa sorte, então. Eu já vou indo.

- Até mais, Ben – ele respondeu, se levantando pra se despedir.

Quando saí, me senti de alguma forma mais leve, tanto pelo fato de ter tirado um peso da consciência, quanto porque isso tirava um dos tópicos da minha lista de coisas a fazer.

Fui basicamente me arrastando até em casa, não sentia pressa alguma em passar na casa da senhora Juraci. É, digamos que eu tenho um quase-emprego. Não que eu me orgulhe muito disso, mas sou eu que tenho que levar os quatro cães dela pra passear. Minha mãe sempre me incentiva com isso porque ela e meu pai vivem dizendo que eu preciso trabalhar. De qualquer forma andar por aí com os cachorros da Dona J não é tão ruim, já que eu faço alguma coisa sem necessariamente fazer alguma coisa e ainda ganho uma graninha pra isso.

Assim que cheguei em casa foi que me lembrei de olhar meus emails e fui correndo em direção ao quarto. Mal tinha entrado quando minha mãe berrou:

— Benjamin Leonardo, venha aqui agora!

Ah, não. Eu conhecia aquele tom de voz.

— Não pense que vai passar o dia enfurnado no seu quarto.

— Mas, mãe, eu preciso...

— Nem "mas", nem meio "mas", você vai almoçar, tomar um banho e ir trabalhar.

— É uma coisa importante...

— Não ouse discutir comigo, rapazinho, e sua comida já está na mesa.

É, não ia ser naquela hora que eu ia ver se tinha conseguido o contrato.

Muito contrariado, almocei e tomei banho.

— Mãe, tô indo.

— Bom trabalho, querido.

Na verdade, isso de "trabalho" já era uma velha piada nossa. Não tinha nada de trabalho em levar cachorros pra passear, mas ainda assim a gente falava do assunto como se eu fosse realmente trabalhar, tanto que ela nunca deixava eu faltar ou me atrasar. E, conforme o combinado, lá estava eu, às 16h30 na porta da Dona J.

Ela, como sempre, tentou me oferecer suas empadinhas do mal, e como sempre eu recusei. Não comeria aquilo de novo. Da primeira vez, eu aceitei, e devo dizer, jamais em toda minha curta vida comi algo tão ruim.

Pelo que ela vivia contando, era uma velha receita de família, mas depois de tanto tempo ela basicamente esqueceu a receita e colocava tudo o que dava na telha naqueles troços. Nem seus cachorros tinham coragem de encarar aquilo. Enfim, inventei uma desculpa qualquer e depois de alguns minutos colocando as coleiras e correndo atrás da Duquesa, aquela cadela era simplesmente impossível, consegui levar eles pra rua. No geral, eles não são tão ruins. Acho que são gratos a mim por levar eles pra longe da dona, ela não era muito, digamos, convencional.

Então, depois de uma tarde inteira de “trabalho”, voltei correndo pra casa pra ver meus emails, cumprimentando o Lucas no caminho enquanto ele entrava em casa, que ficava na metade da distância da casa da Dona Juraci e da minha.

Eu cheguei em casa e abri o notebook. Acessei o site, digitando o mais rápido que meus dedos podiam digitar.

Mas não tinha nada.

Ótimo. Eu teria que esperar ainda mais.

O resto da semana passou voando. Passear com os cães, ensaio da banda, minha irmã me chamando de desocupado, só mais uma semana como qualquer outra. Nenhum acontecimento suficientemente importante pra ser registrado, mas eu acho que a Emily parecia um pouco mais mal-humorada do que o normal, se é que isso é possível. 

O Samuel parecia ter acertado as coisas com a Clarice, mas pelo jeito ainda não estavam se falando direito. Pelo menos não estavam mais brigando, o que era um bom sinal.

Nada de email ainda, o que estava me matando. Liguei pro meu amigo várias vezes, mas sempre dava na caixa-postal. Deixei um recado pra ele falando sobre a nossa apresentação em uma festa na semana seguinte e quase implorando pra que retornasse minhas ligações.

Estava tudo indo normalmente até o sábado, eu saindo com os cachorros da casa da Dona J, quando avistei uma cena que eu nunca esperaria ver.

A Clarice estava saindo da casa do Lucas.

O que ela estaria fazendo lá? Seria possível que ela e o Lucas...? Não. É claro que não. Ela não é do tipo que termina com o namorado e já se joga em cima do melhor amigo dele. Mas... o que ela estaria fazendo lá então?

Ela me viu e sua expressão tornou-se puro horror, depois passou por algo parecido com constrangimento e no fim acabou por dar um aceno tímido e um meio sorriso. Quando eu ia abrir a boca pra perguntar o que ela fazia ali, a Duquesa resolveu que era um ótimo momento pra correr atrás do caminhão de gás que passava. E lá fui eu, numa cena mais do que vergonhosa, sendo arrastado por um labrador que corria loucamente pela rua. Qualquer coisa que Clarice tivesse sentido há pouco antes se desvaneceu. Agora ela estava com as mãos na barriga, rindo da estranha cena. Bem, não dá pra culpar ela, devia ser mesmo uma coisa muito engraçada de se ver.

No momento, eu tinha que resolver a encrenca em que estava metido, mas não me esqueceria daquilo, não mesmo. Deixaria o assunto pra mais tarde, até esclarecer o que me incomodava: o que Clarice estava fazendo ali?

Voltei pra casa um tanto confuso. O que eu iria fazer? Contar ao Samuel o que eu tinha visto? Mas e se eu tivesse interpretado errado e só causasse uma confusão ainda maior?

Eu não tinha ideia do que fazer.

À noite, no ensaio, enquanto a gente tocava, eu não conseguia tirar aquela cena da cabeça. E o fato do Samuel estar bem ali ao meu lado não facilitava as coisas nem um pouco.

No final, a Emily foi embora e minha mãe chamou a Lana pra fazer alguma coisa na cozinha, então o Samuel ficou um pouco mais pra me ajudar a guardar as coisas. A dúvida martelava na minha cabeça.

Eu contava?

Não, vai ver foi só um mal entendido.

Mas ele era meu amigo. Tinha o direito de saber.

Não se não estivesse acontecendo nada de mais.

Mas e se estivesse?

- Benjamin, tá tudo bem? – Samuel me perguntou – Parece distraído.

Eu ainda não sabia o que fazer.

Respirei fundo e tomei uma decisão.

- Pra falar a verdade, eu preciso te contar uma coisa.
 

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