segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A garota da minha vida - Capítulo 1


No ar, pessoal! O primeiro capítulo de “ A garota da minha vida”, história colaborativa que nós e o pessoal do Manual do Pedro faremos junto com vocês! Se ainda não conhece o projeto, dê uma olhada aqui. E participe ;)

CAPÍTULO 1

LUCAS

Autor: Thales Mendes


Oi, meu nome é Lucas e eu estou apaixonado pela namorada do meu melhor amigo.
É, eu sei, você provavelmente já leu alguma história como a minha em algum livro, ou já ouviu uma letra parecida em alguma dessas músicas de pagode que tocam por aí. Sei disso porque eu mesmo costumava cantar essas coisas, até que passei a vivê-las, e aí a coisa desandou. Eu queria que minha vida fosse tão simples quanto a primeira frase desse texto a faz parecer. Acho, de verdade, que as coisas teriam sido muito mais fáceis se eu só curtisse a gata que tá pegando um amigo meu. Mas quem disse que a vida é simples, né?

Pra começar, vai muito além de curti-la: eu sinto frio na barriga sempre que ela está por perto, e isso é estranho demais.

E, depois, ela não tá pegando um amigo meu: ela está namorando, há alguns anos, com o maior amigo que eu poderia sonhar em ter.

Nem todo homem fala isso, porque alguém disse um dia que a gente tem que ser macho, e ser macho quer dizer evitar frases passíveis de interpretação homossexual, mas eu sinceramente não me importo em dizer que amo o Samuel desde quando a gente se conheceu (embora, pelo bem da minha masculinidade, não vá dizer isso pessoalmente a ele). É esse amor de amigo, sabe, de abraços desengonçados cheios de tapas nas costas, de conversas intermináveis, de piadas internas, de gargalhadas monumentais, e tal. Sabe quando você faz uma retrospectiva da sua vida e vê que, embora conheça muitas pessoas, poucas são as que realmente fizeram a diferença nos seus melhores momentos? Pois é, o Samuel esteve em todos os melhores momentos da minha vida.

Desde aquele primeiro dia de aula na nova escola, no recreio, em que eu estava sentado sozinho, e ele se aproximou com um sorriso no rosto e me ofereceu um daqueles biscoitos de chocolate que a avó dele (a dona Elza) faz. Até as tardes que passávamos lá em casa jogando videogame, quando na verdade deveríamos estar estudando para as provas do dia seguinte, que nos pareciam impossíveis e pelas quais, de um jeito ou de outro, sempre conseguimos passar. É, o Samuel sempre esteve lá. Nas primeiras festas, quando tudo o que eu sabia fazer era ficar num canto, sozinho, vendo os outros dançarem, foi ele quem se aproximou pra me ajudar, sempre sorrindo, sempre com aquele ar de irmão mais velho, me dizendo pra falar com as garotas. “Relaxa irmãozinho, vai dar tudo certo”.

E teve aquele dia em que o sorriso do Muca, que já era enorme normalmente, se alargou um pouco mais. Foi quando ele se virou pra mim e disse: “Luquinha, ontem conheci a garota da minha vida, cara”. Frase forte.

Aquele dia me marcou por vários motivos. Primeiro, me impressionei com a simplicidade com que ele disse algo tão importante. Depois, me admirei com a certeza que ele tinha daquele fato, e com o otimismo de que tudo daria certo (afinal, uma coisa é você conhecer a garota da sua vida e outra, bem diferente, é você namorar a garota da sua vida. Ela pode ser a sua garota, mas quem disse que você é o cara dela?). Eu, que sou confuso do momento em que acordo até a hora de dormir, jamais imaginava conhecer a “garota da minha vida” aos 15 anos de idade.

Mas aí ele me apresentou a garota da vida dele, e eu entendi tudo.

Não vou dizer que a Clarice é perfeita, porque você não vai acreditar em mim, mas todo lugar por onde ela passa fica mais bonito.

E não tô falando de beleza física, não, embora ela também arrebente nisso: morena, com olhos só um pouquinho puxados, cabelos castanhos na altura do ombro, e um par de pernas sobre as quais eu poderia escrever um livro, se ela não fosse namorada do meu melhor amigo.

Mas o ponto é que ela é uma garota legal. E, na minha experiência, garotas legais estão em falta. Eu tenho visto por aí muitas garotas que não gostam de conversar, não gostam de rir, não gostam de ler. Garota que, só porque é bonita, acha que é melhor. A Clarice não parece se importar em sorrir, e eu não acho que ela só faça isso porque tem um sorriso perfeito. Ela conversa com todo mundo, é cheia de amigos, e é o tipo de pessoa que você quer ter por perto, porque te faz bem. Nem todo mundo é assim.

Ou seja, quando o Samuel me apresentou à Clarice, algumas coisas me passaram pela cabeça. A primeira delas foi “Caramba!”. Depois foi “Ei, Lucas, que formigamento estranho é esse que você tá sentindo?”. E, por fim, “Cara, respeita, ela é a garota da vida do seu melhor amigo”. E é esse último o pensamento que vem me guiando dia após dia nesses últimos três anos em que eles são um casal.

Não tem sido fácil.

Mas eu tenho que admitir, mesmo que com algum desconforto, que os dois formam um belo casal, desses que você usa como exemplo pra provar que o amor existe. Eles são queridos, são populares, são a alma da maioria das festas que a gente vai. Além de tudo, o Samuel toca guitarra melhor do que todo mundo que eu conheço e, por isso, resolveu criar uma banda com alguns amigos. Como se ele precisasse de mais popularidade. De qualquer jeito, é uma banda legal, com uma vocalista que canta muito, e o Muca arrebentando na guitarra. Dá pra dizer que ele é um futuro rockstar, e a Clarice é o tipo de garota que todo futuro rockstar gostaria de ter ao lado.

E eu reconheço que estar com eles, durante todo esse tempo, me transformou num cara querido, popular, e convidado para a maioria das festas. E, não me leve a mal, isso é legal pra caramba! Durante esses três anos, tive momentos de alegria. Tive minhas danças deliciosas e beijos para guardar na memória. Tive conversas na madrugada com duas pessoas enormes, imensas, que me ensinaram, e me ensinam, a cada dia. E tudo isso seria perfeito, não fosse essa sensação constante de que há algo faltando. De que a vida é boa, mas poderia ser maravilhosa.

Não sei se algum deles desconfia disso. Na verdade, modéstia à parte, eu treinei tanto durante esses anos que acabei ficando muito bom em esconder meus sentimentos, em fingir sorrisos e em ignorar aquele grito de protesto que surge dentro de mim sempre que eu vejo os dois se beijando. Eu não o ouço o tempo inteiro, sabe, mas ele sempre está lá.

Faço isso, é claro, porque os dois são meus amigos, os dois estão felizes, e os dois, de uma forma ou de outra, são os principais responsáveis pelos momentos mais legais da minha vida. Mas não há uma noite em que eu não sonhe que a Clarice está beijando outro alguém, e não há um dia em que eu não acorde pensando que, se isso acontecer, a vida nunca mais vai ser a mesma pra nós três.

E agora passou da meia-noite e estou aqui, completamente sem sono, digitando essas palavras enquanto outras, muito mais simples e muito mais explosivas, ficam martelando na minha cabeça. Elas apareceram primeiro na tela do meu celular mas, agora, parece que estão em todo lugar que olho. Só quatro palavrinhas, escritas pelo Samuel, que dizem assim:

Eu e Clarice terminamos.

E eu aqui, sem a menor ideia do que fazer.

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