Capítulo 11
LANA
Autoras: Hadassa Fentanes e Júlia Barbosa
É incrível como as notícias se espalham rápido.
Eu estava na sala, com Michelângelo no colo, assistindo alguma série na TV, onde um cara descobria que a garota que ele gostava tava ficando com o melhor amigo. Rolou barraco e altas tretas. No final, o cara matava o melhor amigo e a garota. Que bizarro. Acho que era alguma série policial.
De repente, a campainha tocou.
Coloquei Michelângelo no sofá e fui atender. Mal tive tempo de pensar em quem poderia ser, quando abri a porta e a pessoa entrou furiosamente na sala, esbarrando em mim e quase me derrubando.
- Desculpa, Lana - disse o Samuel. Ele parecia a ponto de esmurrar alguém. Esperava que não fosse eu - O Ben tá aí?
Nem o meu irmão.
- Ah... por quê? - perguntei, de maneira cautelosa, e mantendo certa distância.
- Eu só... - ele suspirou profundamente, tentando se acalmar, mas falhando miseravelmente - Eu só preciso falar com ele. É urgente, tá?
- Tudo bem - a raiva dele não parecia direcionada ao Benjamin, então cedi - Ele tá lá na garagem, eu acho.
Antes de eu terminar de falar, o Samuel já tava caminhando a passos largos pra onde eu tinha indicado.
Sentei no sofá de novo e tentei ignorar o que tinha
acontecido.
O que tinha acontecido?
Eu não fazia ideia. Só sabia que a resposta estava lá na
garagem.
- Eu deveria fazer isso? – perguntei a Michelângelo.
Ele me encarou.
-Eu sei que bisbilhotar a conversa dos outros é errado – retruquei
- Mas se eu não for, não vou descobrir o que aconteceu.
Michelângelo ronronou.
- Tá bom, eu não vou – falei, cruzando os braços – Mas e
agora?
O gato miou para mim.
- A não ser que eu estivesse passando por ali e ocasionalmente ouvisse a conversa, né? Sem querer – disse, com um sorriso. Então afaguei o seu pelo – Michelângelo, você é um gênio.
Desliguei a TV e me encaminhei para lá. Parei na entrada da porta e encostei o ouvido nela. Totalmente acidental.
- ... e você não acredita no que ele fez! – essa era a voz
do Samuel, e apesar de estar sussurrando, dava para perceber que ele estava
gritando, só que mais baixo. O que era confuso.
– O quê?
– Ele correu atrás de mim! Depois de me apunhalar pelas costas, ainda tentou se justificar. Não fiz por menos e, agora, o Lucas vai passar um bom tempo comendo de canudinho...
O SAMUEL BATEU NO LUCAS? Isso era mais do que eu podia acreditar! Mudei o pé de apoio e pressionei o ouvido contra a porta. Eu não perderia nada.
Foi quando a porta rangeu. Prendi a respiração esperando que não tivessem notado, mas de repente, parecia que eles tinham ficado em silêncio. É claro que eles perceberam. Droga.
Me virei pra correr pra sala, porém nesse instante, a porta se abriu e vi meu irmão gritando a plenos pulmões que eu deveria parar de ouvir conversas alheias.
Corri o mais rápido que pude e cheguei à sala. O telefone
começou a tocar. Era a Lis.
Mais que depressa, perguntei o que ela sabia sobre o que tinha acontecido, mas em vez de me responder, ela disse que precisava me ver e que era urgente. Disse que ela podia vir, mas que a gente não ia poder ficar na garagem, já que o Samuel e o Ben estavam lá. Ela começou a soluçar mais alto, e foi aí que percebi que ela estava chorando.
– Lis... Ei, Lis? Se você quiser, podemos marcar de se ver em outro lugar.
– C-claro, isso s-seria ótimo. Pode vir aqui em c-casa?
Tirei o telefone do ouvido e berrei.
– MÃÃÃÃE!
– É a Clarice?
– É.
– Não volta tarde.
Recoloquei o telefone no ouvido e contei que estava indo.
Minha mãe era simplesmente maravilhosa.
Corri para a casa da Lis. Não era muito longe, então cheguei
rapidinho. A mãe dela abriu a porta pra mim, parecendo agradecida por eu ter
chegado, e disse que a Lis esperava por mim no quarto dela.
Minha amiga estava jogada na cama em uma poça de lágrimas. Não literalmente, é claro. Mas mesmo assim, era triste só de olhar.
Antes que pudesse dizer alguma coisa, me sentei ao lado dela e a abracei. Ela parecia precisar urgentemente de um abraço.
- Eu não queria que tivesse chegado a esse ponto - ela disse, entre soluços - Eu não sei o que fazer.
- Não, tá tudo bem - disse, acalmando-a - Agora respira e me conta o que aconteceu.
E ela contou. Meu queixo caía um pouco mais cada vez que ela avançava na história, mas eu não deveria estar tão surpresa. Eu sabia sobre o Lucas o tempo todo, e era uma questão de tempo até que viesse à tona. Mas eu não esperava que fosse dessa maneira.
- Uau - falei. Foi a única coisa que consegui pronunciar.
Ela soluçou mais uma vez.
- Uau - repeti, porque realmente não sabia mais o que dizer.
- Eu sei - ela disse, culpada.
- E o que você fez depois disso?
- Eu não sabia o que fazer, e também não queria ficar lá parada, esperando o Lucas voltar. Eu não conseguiria encarar ele de novo. Então eu fui embora.
Fiquei em silêncio.
- Você não ficou sabendo de mais nada? - perguntei, de forma cautelosa.
- Não, eu não sei o que o Lucas disse pro Samuel, mas acho que não deve ter resolvido as coisas.
Olhei para o chão.
- Lana - ela disse, alarmada, percebendo o meu olhar - O que você sabe?
Eu não queria que ela se sentisse pior, mas não podia esconder a verdade dela, então contei. E, bem, o resultado foi exatamente o esperado. A Lis pareceu ainda pior com a situação, se é que isso era possível.
- Foi tudo culpa minha - ela chorou - Eu deveria ter ido atrás deles.
- Não, não deveria. Se você tivesse ido, talvez piorasse as coisas.
- Eu não deveria ter começado tudo isso, pra início de conversa.
- Não foi culpa sua. O Samuel não deveria ter surtado daquele jeito.
Então o celular dela tocou. Ela o pegou e olhou a tela por um segundo.
Era o Lucas.
- O que eu faço?
- Talvez devesse falar com ele e esclarecer as coisas.
- Eu não sei se consigo.
O telefone continuou tocando até parar. Lis não esboçou nenhuma reação para atendê-lo. Ficamos em silêncio por um longo tempo.
- Você acha que o que fez foi errado? - perguntei.
- Eu não sei. Esse é o problema. Eu simplesmente não sei.
- Bem, acho que é a primeira coisa que você deve decidir.
Eu sabia que ela estava mal, mas também não queria me meter
na história. Quer dizer, não mais do que já estava metida. Era a vida dela, e
apesar de querer ajudar, era ela quem deveria tomar a decisão certa.
Conversamos mais um pouco, mas ela parecia ter se acalmado depois disso. Quando olhei para o relógio e avisei que deveria ir, ela tinha um olhar decidido. Disse que resolveria as coisas de uma vez por todas. Eu não saberia dizer exatamente como.
– O que você vai fazer? – perguntei, sem entender.
– Vou me encontrar com o Samuel.
– Como assim?
– Eu preciso falar com ele pessoalmente.
– E como você vai marcar um encontro?
– Vou aparecer na faculdade dele.
- Tem certeza que é uma boa ideia?
- Ele não vai nem pensar em me bater com tanta gente por
perto. Se bem que acho que ele não seria capaz disso.
– Por que você simplesmente não dá uma barra de chocolate pra ele? Chocolate é mágico. Ele vai ficar feliz e esquecer tudo.
Ela riu. Isso era bom.
– Eu preciso falar com ele – ela respondeu - se bem que levar chocolate não ia atrapalhar em nada. Quero terminar isso de uma vez por todas pra...
– ... ficar com o Lucas... – cantarolei, alegremente.
– Não, não! Quer dizer, não sei. É por isso que quero esclarecer tudo.
Ouvimos a mãe da Lis gritar para irmos jantar. Ela tinha
fritado batata, o que não era realmente uma janta, mas era mil vezes melhor que
uma. Depois de comer, nos despedimos e fui direto pra casa.
Mal fui dormir quando percebi que já tinha amanhecido, então me aprontei e fui pra escola. Passei o dia meio nervosa com tudo que estava acontecendo. Lis. Samuel. Lucas. Banda. Era muita coisa pra digerir.
Quando cheguei em casa, enchi o sofá com todos os biscoitos e
jujubas que achei e fiquei deitada, comendo. Pra minha sorte, o Ben já tinha
ido "trabalhar". Ele era muito barulhento e eu precisava de silêncio
absoluto naquele momento.
Tudo ficaria bem, pensei comigo mesma. As coisas vão se
resolver. Não existe nada pra me preocupar agora.
Então o telefone tocou.
– Lis?
– Benjamin? – era um homem do outro lado da linha.
– Meu irmão não tá aqui, moço. Quer deixar recado?
Ouvi alguns pigarros e então a voz rouca disse:
– Avise pro Ben que graças a alguns imprevistos, nós teremos que adiar o show pra próxima semana.
– Esse de sábado que vem? Que a banda vai se apresentar?
– Isso mesmo. O evento vai ser no outro sábado. Entendeu?
– Sim, entendi.
– Então, obrigado.
– Tchau, moço – disse e desliguei o telefone.
Ai, não. Mais essa agora.
Não poderia me esquecer de avisar o Ben. O Ben... Parecia que
eu devia me lembrar de alguma coisa, mas não fazia ideia do que era. Do que eu
deveria me lembrar?
Oh, céus! É claro! Precisaríamos convencer o produtor a ir no outro sábado!
Não, não, não! Já
tinha sido um sacrifício conseguir falar com ele, e agora isso?
Eu já estava nervosa com tudo que estava acontecendo. Quando
chegou a hora do ensaio mais tarde, fiquei ainda mais quando uma Emily com a
perna enfaixada entrou na garagem.
- Ai, meu Deus - disse, quase em pânico - O que aconteceu?
- Eu caí - respondeu a Emily, de mau humor - O que você acha que aconteceu?
- Eu sei, mas como foi que você...
- Fala sério!
Essa era a voz do Samuel. Ele olhava para a Emily como se ela fosse um monstro destruidor de sonhos. Ele entrou logo depois dela e se sentou em uma cadeira, como se estivesse prestes a desmaiar.
- O que foi que acon... - ele começou, mas Emily o interrompeu.
- Não interessa - ela disse, parecendo querer desesperadamente mudar de assunto - Não vai dar pra tocar no show de sábado.
- Não, não, não - o Samuel falou, apoiando a cabeça nas mãos como se precisasse urgentemente de apoio - Por que tudo isso tá acontecendo justo agora?
- Eu trouxe a música, pelo menos - Emily disse, desdobrando uma folha de papel que estava em seu bolso e deixando em cima da mesa. Ben, que tinha ficado quieto esse tempo todo, correu para lá e a leu.
- Olha, sem pânico, tá? Mas eu também tenho outra notícia - falei, desejando muito não estar no meu lugar naquele momento - O show foi adiado para o outro sábado. Ligaram faz pouco tempo avisando.
- O quê?! - Aparentemente, ficar sentado não ajudava muito, porque o Samuel se levantou e começou a andar em círculos pela garagem - Deu o maior trabalho pra conseguir que o Tuca fosse ao show de sábado e agora querem adiar?
- Olha, talvez não seja ruim, afinal - disse Benjamin, levantando
os olhos da folha de papel pra tentar pacificar as coisas - Quer dizer, isso
pode dar tempo pra Emily se recuperar, certo? É só a gente ligar pra ele e ver
no que dá.
O Samuel parecia querer morrer. Ben terminou de ler, olhou pra Emily e disse um "legal". Ela pareceu corar. Ele caminhou até mim e me entregou a folha.
- É, pode ser - disse o Samuel, com um suspiro, se sentando de novo, como se ficar em pé também não ajudasse - É, tudo bem, vamos tentar desse jeito.
- Calma, cara - o Ben andou até ele e colocou a mão em seu ombro - Vai dar tudo certo.
O Samuel pareceu perdido em seus pensamentos enquanto suspirava de novo. Emily olhava para os dois meio nervosa, como se soubesse de algum segredo terrível. Eu simplesmente terminei de ler e disse "uau", porque, aparentemente, era a única coisa que eu sabia falar, e era uma boa palavra para descrever mesmo.
- Nossa, ficou muito bom mesmo – eu disse, encarando a
Emily.
- Podemos ensaiar de uma vez? – ela perguntou, tentando
disfarçar seu desconforto.
Depois que o Samuel se acalmou o suficiente pra começarmos o
ensaio, Emily ocupou o lugar dele na cadeira e ensaiamos a música dela. Ela não
parecia muito feliz, mas também não parecia que isso tivesse muito a ver com a
perna. Ela nem prestava muita atenção ao que tocávamos, distraída, respondendo
apenas quando alguém lhe perguntava alguma coisa.
O clima durante o ensaio não tava muito bom, mas a música era ótima, e até o Samuel se alegrou um pouco quando a viu. Ele até sugeriu que colocássemos o nome da música na banda. Era uma boa ideia, mas Michelângelo não pareceu gostar muito.
Durante a semana, o Ben tentou ligar e mandar emails o tempo
inteiro para o carinha produtor e nada. Isso já tava me dando agonia.
Se isso me deixava nervosa, imagina o que fazia com o
Samuel. Surpreendentemente, ele parecia mais triste do que irritado. Mas isso
não era exatamente uma coisa boa.
Nenhum sinal da Lis ou do Lucas a semana inteira. Eu percebi que o Samuel evitava a todo custo ir para o Squalor, e pra falar a verdade, acho que era melhor assim. Ocupada com a escola e os ensaios, eu não tinha tempo pra me encontrar com a Lis e ela também não fez nenhuma tentativa de conversar comigo. Estranho. Talvez precisasse de um tempo pra pensar em tudo que havia acontecido. Eu não sabia o que ela estava tramando, mas esperava que fizesse a coisa certa.
Então chegou o grande dia. O dia da apresentação. Eu estava super nervosa, é claro, não tínhamos conseguido falar com o Tuca. Um clima de nervosismo e desânimo pairava sobre o camarim, e eu tentava amenizá-lo o máximo que podia, vestindo minhas roupas mais coloridas e felizes.
Mas o que eu menos esperava aconteceu. De repente, enquanto todos se preparavam, o Samuel parou o que estava fazendo e pediu silêncio pra poder falar.
- Me desculpem – ele disse, com um suspiro – Eu tenho agido
mal com todo mundo e acho que não preciso explicar por quê, mas mesmo assim foi
errado. Eu sinto muito, de verdade. Sei que estão todos chateados porque a
gente não conseguiu que o Tuca viesse hoje aqui, mas também sei de uma coisa:
este é o nosso show, galera. Vamos dar o nosso melhor, não importa o que
aconteça.
Foi um discurso bem legal. Pareceu que o ânimo da banda
melhorou bastante. Acho que quase vi a Emily dar um sorriso. Quase.
Certo, aquilo foi inesperado. Mas não tão inesperado quanto
a pessoa parada na porta naquele exato momento.
Lucas.
- Samuel, posso falar com você um instante?
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