sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A garota da minha vida - Capítulo 11


Capítulo 11

LANA

 Autoras: Hadassa Fentanes e Júlia Barbosa


É incrível como as notícias se espalham rápido.



Eu estava na sala, com Michelângelo no colo, assistindo alguma série na TV, onde um cara descobria que a garota que ele gostava tava ficando com o melhor amigo. Rolou barraco e altas tretas. No final, o cara matava o melhor amigo e a garota. Que bizarro. Acho que era alguma série policial.

De repente, a campainha tocou.

Coloquei Michelângelo no sofá e fui atender. Mal tive tempo de pensar em quem poderia ser, quando abri a porta e a pessoa entrou furiosamente na sala, esbarrando em mim e quase me derrubando.

- Desculpa, Lana - disse o Samuel. Ele parecia a ponto de esmurrar alguém. Esperava que não fosse eu - O Ben tá aí?

Nem o meu irmão.

- Ah... por quê? - perguntei, de maneira cautelosa, e mantendo certa distância.

- Eu só... - ele suspirou profundamente, tentando se acalmar, mas falhando miseravelmente - Eu só preciso falar com ele. É urgente, tá?

- Tudo bem - a raiva dele não parecia direcionada ao Benjamin, então cedi - Ele tá lá na garagem, eu acho.

Antes de eu terminar de falar, o Samuel já tava caminhando a passos largos pra onde eu tinha indicado.

Sentei no sofá de novo e tentei ignorar o que tinha acontecido.

O que tinha acontecido?

Eu não fazia ideia. Só sabia que a resposta estava lá na garagem.

- Eu deveria fazer isso? – perguntei a Michelângelo.

Ele me encarou.

-Eu sei que bisbilhotar a conversa dos outros é errado – retruquei - Mas se eu não for, não vou descobrir o que aconteceu.

Michelângelo ronronou.

- Tá bom, eu não vou – falei, cruzando os braços – Mas e agora?

O gato miou para mim.

- A não ser que eu estivesse passando por ali e ocasionalmente ouvisse a conversa, né? Sem querer – disse, com um sorriso. Então afaguei o seu pelo – Michelângelo, você é um gênio.

Desliguei a TV e me encaminhei para lá. Parei na entrada da porta e encostei o ouvido nela. Totalmente acidental.

- ... e você não acredita no que ele fez! – essa era a voz do Samuel, e apesar de estar sussurrando, dava para perceber que ele estava gritando, só que mais baixo. O que era confuso.

– O quê?

– Ele correu atrás de mim! Depois de me apunhalar pelas costas, ainda tentou se justificar. Não fiz por menos e, agora, o Lucas vai passar um bom tempo comendo de canudinho...

O SAMUEL BATEU NO LUCAS? Isso era mais do que eu podia acreditar! Mudei o pé de apoio e pressionei o ouvido contra a porta. Eu não perderia nada.

Foi quando a porta rangeu. Prendi a respiração esperando que não tivessem notado, mas de repente, parecia que eles tinham ficado em silêncio. É claro que eles perceberam. Droga.

Me virei pra correr pra sala, porém nesse instante, a porta se abriu e vi meu irmão gritando a plenos pulmões que eu deveria parar de ouvir conversas alheias.

Corri o mais rápido que pude e cheguei à sala. O telefone começou a tocar. Era a Lis.

Mais que depressa, perguntei o que ela sabia sobre o que tinha acontecido, mas em vez de me responder, ela disse que precisava me ver e que era urgente. Disse que ela podia vir, mas que a gente não ia poder ficar na garagem, já que o Samuel e o Ben estavam lá. Ela começou a soluçar mais alto, e foi aí que percebi que ela estava chorando.

– Lis... Ei, Lis? Se você quiser, podemos marcar de se ver em outro lugar.

– C-claro, isso s-seria ótimo. Pode vir aqui em c-casa?

Tirei o telefone do ouvido e berrei.

– MÃÃÃÃE!

– É a Clarice?

– É.

– Não volta tarde.

Recoloquei o telefone no ouvido e contei que estava indo.

Minha mãe era simplesmente maravilhosa.

Corri para a casa da Lis. Não era muito longe, então cheguei rapidinho. A mãe dela abriu a porta pra mim, parecendo agradecida por eu ter chegado, e disse que a Lis esperava por mim no quarto dela.

Minha amiga estava jogada na cama em uma poça de lágrimas. Não literalmente, é claro. Mas mesmo assim, era triste só de olhar.

Antes que pudesse dizer alguma coisa, me sentei ao lado dela e a abracei. Ela parecia precisar urgentemente de um abraço.

- Eu não queria que tivesse chegado a esse ponto - ela disse, entre soluços - Eu não sei o que fazer.

- Não, tá tudo bem - disse, acalmando-a - Agora respira e me conta o que aconteceu.

E ela contou. Meu queixo caía um pouco mais cada vez que ela avançava na história, mas eu não deveria estar tão surpresa. Eu sabia sobre o Lucas o tempo todo, e era uma questão de tempo até que viesse à tona. Mas eu não esperava que fosse dessa maneira.

- Uau - falei. Foi a única coisa que consegui pronunciar.

Ela soluçou mais uma vez.

- Uau - repeti, porque realmente não sabia mais o que dizer.

- Eu sei - ela disse, culpada.

- E o que você fez depois disso?

- Eu não sabia o que fazer, e também não queria ficar lá parada, esperando o Lucas voltar. Eu não conseguiria encarar ele de novo. Então eu fui embora.

Fiquei em silêncio.

- Você não ficou sabendo de mais nada? - perguntei, de forma cautelosa.

- Não, eu não sei o que o Lucas disse pro Samuel, mas acho que não deve ter resolvido as coisas.

Olhei para o chão.

- Lana - ela disse, alarmada, percebendo o meu olhar - O que você sabe?

Eu não queria que ela se sentisse pior, mas não podia esconder a verdade dela, então contei. E, bem, o resultado foi exatamente o esperado. A Lis pareceu ainda pior com a situação, se é que isso era possível.

- Foi tudo culpa minha - ela chorou - Eu deveria ter ido atrás deles.

- Não, não deveria. Se você tivesse ido, talvez piorasse as coisas.

- Eu não deveria ter começado tudo isso, pra início de conversa.

- Não foi culpa sua. O Samuel não deveria ter surtado daquele jeito.

Então o celular dela tocou. Ela o pegou e olhou a tela por um segundo.

Era o Lucas.

- O que eu faço?

- Talvez devesse falar com ele e esclarecer as coisas.

- Eu não sei se consigo.

O telefone continuou tocando até parar. Lis não esboçou nenhuma reação para atendê-lo. Ficamos em silêncio por um longo tempo.

- Você acha que o que fez foi errado? - perguntei.

- Eu não sei. Esse é o problema. Eu simplesmente não sei.

- Bem, acho que é a primeira coisa que você deve decidir.

Eu sabia que ela estava mal, mas também não queria me meter na história. Quer dizer, não mais do que já estava metida. Era a vida dela, e apesar de querer ajudar, era ela quem deveria tomar a decisão certa.

Conversamos mais um pouco, mas ela parecia ter se acalmado depois disso. Quando olhei para o relógio e avisei que deveria ir, ela tinha um olhar decidido. Disse que resolveria as coisas de uma vez por todas. Eu não saberia dizer exatamente como.

– O que você vai fazer? – perguntei, sem entender.

– Vou me encontrar com o Samuel.

– Como assim?

– Eu preciso falar com ele pessoalmente.

– E como você vai marcar um encontro?

– Vou aparecer na faculdade dele.

- Tem certeza que é uma boa ideia?

- Ele não vai nem pensar em me bater com tanta gente por perto. Se bem que acho que ele não seria capaz disso.

– Por que você simplesmente não dá uma barra de chocolate pra ele? Chocolate é mágico. Ele vai ficar feliz e esquecer tudo.

Ela riu. Isso era bom.

– Eu preciso falar com ele – ela respondeu - se bem que levar chocolate não ia atrapalhar em nada. Quero terminar isso de uma vez por todas pra...

– ... ficar com o Lucas... – cantarolei, alegremente.

– Não, não! Quer dizer, não sei. É por isso que quero esclarecer tudo.

Ouvimos a mãe da Lis gritar para irmos jantar. Ela tinha fritado batata, o que não era realmente uma janta, mas era mil vezes melhor que uma. Depois de comer, nos despedimos e fui direto pra casa.

Mal fui dormir quando percebi que já tinha amanhecido, então me aprontei e fui pra escola. Passei o dia meio nervosa com tudo que estava acontecendo. Lis. Samuel. Lucas. Banda. Era muita coisa pra digerir.

Quando cheguei em casa, enchi o sofá com todos os biscoitos e jujubas que achei e fiquei deitada, comendo. Pra minha sorte, o Ben já tinha ido "trabalhar". Ele era muito barulhento e eu precisava de silêncio absoluto naquele momento.

Tudo ficaria bem, pensei comigo mesma. As coisas vão se resolver. Não existe nada pra me preocupar agora.

Então o telefone tocou.

– Lis?

– Benjamin? – era um homem do outro lado da linha.

– Meu irmão não tá aqui, moço. Quer deixar recado?

Ouvi alguns pigarros e então a voz rouca disse:

– Avise pro Ben que graças a alguns imprevistos, nós teremos que adiar o show pra próxima semana.

– Esse de sábado que vem? Que a banda vai se apresentar?

– Isso mesmo. O evento vai ser no outro sábado. Entendeu?

– Sim, entendi.

– Então, obrigado.

– Tchau, moço – disse e desliguei o telefone.

Ai, não. Mais essa agora.

Não poderia me esquecer de avisar o Ben. O Ben... Parecia que eu devia me lembrar de alguma coisa, mas não fazia ideia do que era. Do que eu deveria me lembrar?

Oh, céus! É claro! Precisaríamos convencer o produtor a ir no outro sábado!

 Não, não, não! Já tinha sido um sacrifício conseguir falar com ele, e agora isso?

Eu já estava nervosa com tudo que estava acontecendo. Quando chegou a hora do ensaio mais tarde, fiquei ainda mais quando uma Emily com a perna enfaixada entrou na garagem.

- Ai, meu Deus - disse, quase em pânico - O que aconteceu?

- Eu caí - respondeu a Emily, de mau humor - O que você acha que aconteceu?

- Eu sei, mas como foi que você...

- Fala sério!

Essa era a voz do Samuel. Ele olhava para a Emily como se ela fosse um monstro destruidor de sonhos. Ele entrou logo depois dela e se sentou em uma cadeira, como se estivesse prestes a desmaiar.

- O que foi que acon... - ele começou, mas Emily o interrompeu.

- Não interessa - ela disse, parecendo querer desesperadamente mudar de assunto - Não vai dar pra tocar no show de sábado.

- Não, não, não - o Samuel falou, apoiando a cabeça nas mãos como se precisasse urgentemente de apoio - Por que tudo isso tá acontecendo justo agora?

- Eu trouxe a música, pelo menos - Emily disse, desdobrando uma folha de papel que estava em seu bolso e deixando em cima da mesa. Ben, que tinha ficado quieto esse tempo todo, correu para lá e a leu.

- Olha, sem pânico, tá? Mas eu também tenho outra notícia - falei, desejando muito não estar no meu lugar naquele momento - O show foi adiado para o outro sábado. Ligaram faz pouco tempo avisando.

- O quê?! - Aparentemente, ficar sentado não ajudava muito, porque o Samuel se levantou e começou a andar em círculos pela garagem - Deu o maior trabalho pra conseguir que o Tuca fosse ao show de sábado e agora querem adiar?

- Olha, talvez não seja ruim, afinal - disse Benjamin, levantando os olhos da folha de papel pra tentar pacificar as coisas - Quer dizer, isso pode dar tempo pra Emily se recuperar, certo? É só a gente ligar pra ele e ver no que dá.

O Samuel parecia querer morrer. Ben terminou de ler, olhou pra Emily e disse um "legal". Ela pareceu corar. Ele caminhou até mim e me entregou a folha.

- É, pode ser - disse o Samuel, com um suspiro, se sentando de novo, como se ficar em pé também não ajudasse - É, tudo bem, vamos tentar desse jeito.

- Calma, cara - o Ben andou até ele e colocou a mão em seu ombro - Vai dar tudo certo.

O Samuel pareceu perdido em seus pensamentos enquanto suspirava de novo. Emily olhava para os dois meio nervosa, como se soubesse de algum segredo terrível. Eu simplesmente terminei de ler e disse "uau", porque, aparentemente, era a única coisa que eu sabia falar, e era uma boa palavra para descrever mesmo.

- Nossa, ficou muito bom mesmo – eu disse, encarando a Emily.

- Podemos ensaiar de uma vez? – ela perguntou, tentando disfarçar seu desconforto.

Depois que o Samuel se acalmou o suficiente pra começarmos o ensaio, Emily ocupou o lugar dele na cadeira e ensaiamos a música dela. Ela não parecia muito feliz, mas também não parecia que isso tivesse muito a ver com a perna. Ela nem prestava muita atenção ao que tocávamos, distraída, respondendo apenas quando alguém lhe perguntava alguma coisa.

O clima durante o ensaio não tava muito bom, mas a música era ótima, e até o Samuel se alegrou um pouco quando a viu. Ele até sugeriu que colocássemos o nome da música na banda. Era uma boa ideia, mas Michelângelo não pareceu gostar muito.

Durante a semana, o Ben tentou ligar e mandar emails o tempo inteiro para o carinha produtor e nada. Isso já tava me dando agonia.

Se isso me deixava nervosa, imagina o que fazia com o Samuel. Surpreendentemente, ele parecia mais triste do que irritado. Mas isso não era exatamente uma coisa boa.

Nenhum sinal da Lis ou do Lucas a semana inteira. Eu percebi que o Samuel evitava a todo custo ir para o Squalor, e pra falar a verdade, acho que era melhor assim. Ocupada com a escola e os ensaios, eu não tinha tempo pra me encontrar com a Lis e ela também não fez nenhuma tentativa de conversar comigo. Estranho.  Talvez precisasse de um tempo pra pensar em tudo que havia acontecido. Eu não sabia o que ela estava tramando, mas esperava que fizesse a coisa certa.

Então chegou o grande dia. O dia da apresentação. Eu estava super nervosa, é claro, não tínhamos conseguido falar com o Tuca. Um clima de nervosismo e desânimo pairava sobre o camarim, e eu tentava amenizá-lo o máximo que podia, vestindo minhas roupas mais coloridas e felizes.

Mas o que eu menos esperava aconteceu. De repente, enquanto todos se preparavam, o Samuel parou o que estava fazendo e pediu silêncio pra poder falar.

- Me desculpem – ele disse, com um suspiro – Eu tenho agido mal com todo mundo e acho que não preciso explicar por quê, mas mesmo assim foi errado. Eu sinto muito, de verdade. Sei que estão todos chateados porque a gente não conseguiu que o Tuca viesse hoje aqui, mas também sei de uma coisa: este é o nosso show, galera. Vamos dar o nosso melhor, não importa o que aconteça.

Foi um discurso bem legal. Pareceu que o ânimo da banda melhorou bastante. Acho que quase vi a Emily dar um sorriso. Quase.

Certo, aquilo foi inesperado. Mas não tão inesperado quanto a pessoa parada na porta naquele exato momento.

Lucas.

- Samuel, posso falar com você um instante?

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