As mulheres têm ganhado cada vez mais espaço na TV e no cinema, mas, infelizmente, ainda não chegamos nem perto de uma igualdade de gênero. O descaso com personagens femininas na produção audiovisual ainda é muito comum, e isso não é algo que devemos deixar passar despercebido.
Ainda não acredita? Os personagens masculinos tiveram o total de 68% de todas as falas em A Pequena Sereia (1989), 71% em A Bela e a Fera (1991), e 77% em Mulan (1998), todos filmes de animação clássicos da Disney, protagonizados por mulheres, voltados para o público feminino, e que levam o nome de suas protagonistas no título. E, apesar de a Disney estar investindo em novos filmes com maior representação feminina nos últimos anos, como em Enrolados (2010) e Valente (2012), em Frozen: Uma Aventura Congelante (2013), as personagens femininas tiveram, surpreendentemente, só 41% das falas durante todo o filme.
Em 1985, foi introduzido o Teste de Bechdel, pela cartunista Alison Bechdel, e revitalizado nos últimos anos para ser um indicador da presença ativa de mulheres em filmes e outros gêneros da ficção, e chamar atenção para a desigualdade de gênero nessas obras. A proposta é bem simples: para passar no teste, o filme precisa ter pelo menos duas personagens femininas. Essas duas mulheres precisam conversar entre si, e o assunto da conversa não pode ser sobre homens. Não parece difícil, não é? Mas, infelizmente, grande parte dos maiores filmes de todos os tempos não consegue. É claro que nem todo filme que não consegue passar no Teste de Bechdel é necessariamente machista, mas digamos que o teste procurasse dois homens conversando sobre algo que não mulheres, quantos filmes não passariam? Provavelmente nenhum eles.
Estamos vivendo uma época de luta por direitos, luta por igualdade, e é claro que as mulheres não podem ser esquecidas. No cinema, surgiu a primeira protagonista mulher de toda a saga Star Wars. Rey representa um marco na história do universo geek, uma grande conquista a ser comemorada em um ambiente que nunca deu a devida importância às mulheres. Ainda assim, não foram poucos os ataques machistas à personagem, rendendo até mesmo uma ameaça de boicote ao filme Star Wars: O Despertar da Força na época da estreia, simplesmente pela não aceitação de um personagem negro e uma personagem feminina como protagonistas. Apesar de tudo, a personagem da atriz Daisy Ridley conquistou fãs do mundo inteiro, o que levou a Rogue One: Uma História Star Wars, próximo filme da saga a ser protagonizado por uma mulher. Somente um trailer curto foi divulgado até o momento, mas a quantidade de comentários e críticas machistas ao filme é surpreendente.
"Outra
protagonista feminina... preferia que fosse um protagonista masculino",
"Tem mesmo que ser outra garota? Não querendo ser sexista ou algo
assim", "Star Wars está sendo feito por feministas", "E é assim que a
Disney vai destruir a franquia", e outros comentários que a gente vê por
aí.
Mas, pior ainda, foi a reação negativa ao reboot do filme Caça-fantasmas. O longa-metragem, tentativa de recomeçar do zero a história da franquia anterior, traz um grupo de quatro pessoas que salvam o mundo de uma ameaça sobrenatural. A inovação fica por conta do gênero: as quatro pessoas a salvar o mundo, dessa vez, são mulheres. A escolha, infelizmente, não agradou muitos fãs da franquia original, e o primeiro trailer, divulgado no You Tube, bateu o recorde de vídeo com com maior número de dislikes (marcação "não gostei") na história do site. Um simples trailer, de um filme ainda nem lançado, conseguiu ser o vídeo mais odiado de toda a história do You Tube! Será que era um trailer realmente tão ruim assim? Ou simplesmente a ideia de fazer uma versão de um filme clássico protagonizado por mulheres incomoda?
Comentários no trailer de Caça-Fantasmas (2016).
Os Vingadores, por exemplo, a equipe de maior sucesso da Marvel nos últimos anos, não foge da regra. A franquia já possui dois filmes, mais dois confirmados para os próximos anos, além de filmes solo de quase todos os seus membros masculinos. Composta de mais de uma dezena de super-heróis, a equipe dos Vingadores nos cinemas possui, atualmente, apenas duas heroínas, em papéis menores e com muito menos destaque do que os dos homens, e, enquanto vários filmes de seus membros de equipe já foram feitos, ou estão em fase de planejamento, para elas não existem nem ao menos planos.
Viúva Negra não está nada feliz com essa situação.
Apesar de tudo, alcançamos algumas conquistas: o primeiro filme de super-heroína da história da Marvel está em andamento, Capitã Marvel, e o primeiro filme de super-heroína da DC Comics, Mulher-Maravilha. Na TV, Jessica Jones, primeira e única super-heroína da Marvel a ganhar uma série solo, e a primeira do universo atual das séries da DC, Supergirl, a prima do Superman, que provou que a super moça não precisa viver à sombra da popularidade do Homem de Aço. Peggy Carter também foi uma excelente surpresa; de interesse amoroso em Capitão América: O Primeiro Vingador, passou a protagonista de sua própria série, ambientada no universo Marvel. Infelizmente, Agent Carter foi cancelada com apenas duas temporadas, apesar de aclamada pela crítica. Torcemos que essas heroínas possam cada vez mais abrir portas para a representatividade feminina na cultura pop.
Existem sim boas séries com personagens femininas bem representadas. No ano de 2015, foram lançadas Quantico e Blindspot, exemplos de séries protagonizadas por personagens femininas fortes, além de terem várias mulheres influentes no elenco principal. Mas calma lá! Usá-las para exemplificar uma teórica igualdade de gênero na ficção não é um argumento válido. Séries com boa representatividade feminina são exceções, não a regra. Dezenas e dezenas de séries novas estreiam todos os anos, e dizer que uma ou duas que surgiram representa uma mudança no sistema é uma afirmação completamente equivocada.
Nos últimos
meses, muitas personagens femininas coprotagonistas ou que faziam parte do
elenco principal de séries famosas foram cortadas (dando maior destaque ao desenvolvimento dos
personagens masculinos). Os casos que geraram mais polêmica na mídia foram as saídas abruptas das
personagens Canário Negro da série Arrow, que subiu a tag
#NoLaurelNoArrow no
Twitter, e Abbie Mills, de Sleepy Hollow. A atriz Nicole Beharie, que interpretava a coprotagonista Abbie em Sleepy Hollow, já havia reclamado em um post nas redes sociais, que foi posteriormente deletado, sobre o descaso com sua personagem, em favor de seu coprotagonista, interpretado pelo ator Tom Mison. Mesmo assim, sua personagem continuou perdendo importância, até que a própria atriz pediu para deixar o elenco. E, apesar de protestos dos fãs, os produtores decidiram continuar a série sem Abbie.
Abbie não é a única. Acontece com diversas mulheres o tempo inteiro, mas ninguém parece fazer algo a
respeito ou ao menos notar a existência de um problema. É claro que, em todos esses casos, nenhum produtor, diretor ou
qualquer responsável pela negligência a essas atrizes estava pensando em
prejudicá-las. Mas já é tão comum ver o homem como o sexo "padrão" da
sociedade, que deixar a mulher de lado não parece algo errado, apenas
estratégico. Por que fazer uma história com uma protagonista mulher se
dá pra fazer com um protagonista homem? Por que cortar um personagem
masculino de uma série se dá pra cortar a personagem mulher? Por que dar
mais atenção à personagem feminina em uma história com tantos
personagens masculinos para terem atenção? Por que dar uma história a
uma mulher se ela pode servir como apoio na história do homem? E assim, o descaso com as personagens femininas
continua.
A maneira como personagens são retratados na ficção é muito importante. Nós acompanhamos suas histórias. Torcemos por eles. Nos inspiramos neles. E, ao longo da história do cinema e da televisão, as mulheres têm sido tratadas de diversas maneiras revoltantes. Negligenciadas; quantos filmes você já assistiu que não tinham nenhuma personagem feminina influente ou ao menos com falas? Sexualizadas; quantas vezes as mulheres nos filmes aparecem com roupas provocantes e fora de contexto ou filmadas sob enquadramentos desagradáveis apenas para agradar ao público masculino? Vitimizadas; quantas vezes as personagens femininas são feridas, violentadas ou mortas, tudo para que o público sinta pena, não delas, mas do protagonista? É, a situação não está nada boa.
As mulheres não são as únicas prejudicadas nesse panorama. Personagens negros, LGBT, entre várias outras minorias, também passam por muitos dos mesmos problemas. Mas o que acontece se reclamamos? Chamam de complexo de vítima. Dizem que não existe um problema real. Isso quando não, deliberadamente, afirmam a suposta superioridade masculina, como demonstrado nos comentários acima. Mas não podemos mais ficar caladas. É preciso problematizar. É preciso conscientizar. É preciso mudar.
A maneira como personagens são retratados na ficção é muito importante. Nós acompanhamos suas histórias. Torcemos por eles. Nos inspiramos neles. E, ao longo da história do cinema e da televisão, as mulheres têm sido tratadas de diversas maneiras revoltantes. Negligenciadas; quantos filmes você já assistiu que não tinham nenhuma personagem feminina influente ou ao menos com falas? Sexualizadas; quantas vezes as mulheres nos filmes aparecem com roupas provocantes e fora de contexto ou filmadas sob enquadramentos desagradáveis apenas para agradar ao público masculino? Vitimizadas; quantas vezes as personagens femininas são feridas, violentadas ou mortas, tudo para que o público sinta pena, não delas, mas do protagonista? É, a situação não está nada boa.
As mulheres não são as únicas prejudicadas nesse panorama. Personagens negros, LGBT, entre várias outras minorias, também passam por muitos dos mesmos problemas. Mas o que acontece se reclamamos? Chamam de complexo de vítima. Dizem que não existe um problema real. Isso quando não, deliberadamente, afirmam a suposta superioridade masculina, como demonstrado nos comentários acima. Mas não podemos mais ficar caladas. É preciso problematizar. É preciso conscientizar. É preciso mudar.
Rapazes, não
queremos de forma alguma que se sintam intimidados. Ao longo de nossas vidas,
estivemos sempre ali, passando despercebidas. Fomos a mãe apoiando quando você
achou que não conseguiria mais depois daquela cena de fracasso épico. Fomos a
esposa amável que o recebeu com um abraço apertado depois de uma terrível
sequência de batalha. Fomos a assistente gentil que lhe servia café com tanto
carinho durante o trabalho, apesar de só ter apenas uma fala a história inteira.
Fomos até aquela amiga ou namorada distante, que você citou ou se lembrou em um
momento com ternura, mesmo que estivéssemos fora de cena.
Só que pra
gente, isso não parece certo, sabe. Vocês ali, protagonizando uma incrível cena
de superação, enquanto a gente só aparecia pra dar apoio moral. Vocês
protagonizando um resgate heroico e a gente ali tendo que esperar você vir nos
resgatar. Você trabalhando no emprego dos sonhos e a gente aparecendo de vez em
quando só pra perguntar se você, o verdadeiro protagonista, precisava de alguma ajuda.
Não parece justo que só vocês possam fazer algo importante, não é mesmo?
Nós
somos
como vocês. Sonhamos como vocês. Vivemos como vocês. Então por que nossa
vida
não pode ganhar história própria também? A gente só quer igualdade.
Chega de
ficar só no cantinho da cena, assistindo enquanto só vocês fazem as
coisas
importantes. Chega de ficar paradas dentro do castelo esperando que
vocês
vistam a armadura e venham nos resgatar. Nós também podemos ser
heroínas. Nós também podemos ser caça-fantasmas. Nós também podemos ser
cavaleiros jedi. Nós também podemos ser protagonistas. Nós também somos importantes.
É por isso
que lutamos por um mundo com igualdade de gênero tanto na vida real quanto na
ficção. Afinal de contas, mulher não nasce para ser apenas a mãe, esposa ou
filha de alguém. Mulher também nasce para ser a protagonista da própria vida.
Fontes:
* Researchers have found a major problem with 'The Little Mermaid' and other Disney movies - *The Washington Post
* Why the Bechdel Test Fails Feminism - The Huffington Post
* Star Wars - O Despertar da Força sofre ameaça de boicote por ter mulher e negro como protagonistas - Adoro Cinema
* 'Rogue One' Has A Female Lead & Some Star Wars Fans Are Not Very Happy - Bustle* Why the Bechdel Test Fails Feminism - The Huffington Post
* Star Wars - O Despertar da Força sofre ameaça de boicote por ter mulher e negro como protagonistas - Adoro Cinema
* Caça-Fantasmas: trailer bate recorde de marcações "não gostei" no You Tube - Adoro Cinema
* People hate the 'Ghostbusters' trailer, and yes, it's because it stars a woman - The Washington Post
* Fans Are Not Happy With Laurel Lance's Death on 'Arrow' - Just Jared Jr
* Nicole Beharie Says She Wasn't Invited to Do DVD Commentary for Sleepy Hollow - Clutch Magazine
* 'Sleepy Hollow': Nicole Beharie Exits - The Hollywood Reporter
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